Eu já tive pavor de viajar de avião. Pavor no sentido estrito da palavra, a ponto de fazer todas as viagens profissionais pelo Sudeste de ônibus ou carro. Porém, em certo momento fui obrigado a ir com frequência para Brasília, o que mudou o cenário para sempre.
Quase sempre, por conta do ódio que uma funcionária da empresa tinha por mim, minhas passagens eram invariavelmente marcadas para os horários mais cedo, aumentando a tensão, o medo de perder a hora, a preocupação com o táxi etc. Como se fosse agora: são 4:37h. Para chegar hipoteticamente ao Santos Dumont às 5:30h, teria tempo mais do que de sobra. Só que não era tão fácil arrumar táxi na madrugada, nem existia VLT.
Por dezenas de vezes ao longo dos anos, acordar antes da hora inutilmente foi uma rotina para mim. Isso sem contar as viagens bate-e-volta, duas num único dia, verdadeira tortura para minha pobre coluna. E tome remédio, cânfora, alongamento, convivência com a dor. Havia quem achasse frescura, por simplesmente ignorar o problema. A velha ignorância que explica muito do que estamos vivendo.
Era tudo tão pesado que, todas as vezes que a insônia se repete mesmo que por outras razões, a cena me remete àqueles dias. Caso de hoje e das próximas semanas, onde a sobrevivência de milhões de pessoas - inclusive a minha - está em jogo. Mas sempre lembro de um momento de alívio ao fim do dia: quando os pneus do avião tocavam a pista do SDU. Dava uma leveza enorme, e dali até o desembarque a sensação era ótima: o sentimento de missão cumprida, ainda que as dores na coluna fossem prorrogadas por dias. Depois era só pegar o táxi e, na fase final, o VLT, para rapidamente chegar em casa, tomar um banho e descansar.
Atualmente eu vou para o trabalho a pé em 90% das vezes. As dores na coluna têm outros motivos. A insônia piorou um pouco, mas não é só por mim: há outros componentes. Pensar no próximo custa caro.
Cinco da manhã. Insônia. Vai começar mais uma semana. Os próximos dias vão ser decisivos para milhões de pessoas no Brasil - e muitos nem se atentaram para isso. A vida cansa.
Ao longe tem alguém chorando na rua. Certas coisas nunca mudam.
arp
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