Sunday, May 01, 2022

trabalho

o trabalho. eu trabalho há muitos anos. fiz coisas fáceis e difíceis. vi muito desrespeito, assédio moral, humilhação, maldade. muito. algumas das piores pessoas que conheci na vida foi em ditos ambientes de trabalho, ou de projetos, tanto faz. 

em trabalhos voluntários e remunerados, testemunhei uma reação bizarra diversas vezes: num grupo onde alguém se destaca a ponto de melhorar a coletividade, integrantes passam a boicotá-lo justamente para que não ganhe mais espaço. o coletivo sabota em nome do particular. 

a imagem que carrego do trabalho é o moço lavando o chão da pastelaria ao término do expediente, a senhora carregando as bolsas de roupa no trem, o rapaz esmagado no ônibus tentando ouvir música no fone. o moço que traz a comida, o moço que cuida da portaria, a moça que registra a compra, a moça que vem ao balcão. vi tudo isso muitas vezes, em paralelo ao chamado mundo corporativo, onde é comum pessoas grosseiras fingirem educação ou extremamente ignorantes fingirem erudição. 

o mundo só poderia ter dignidade se todos tivessem um trabalho e dele pudessem sobreviver. todo mundo precisa de um trabalho, ter uma casa, uma cama, comida, fogão, rádio, tv. só que isso não existe. no exato momento em que escrevo aqui, cerca de 70 milhões de pessoas são humilhadas no brasil: não têm emprego ou têm ocupações tão precarizadas que arriscam a própria sobrevivência diariamente. 

há 40 anos eu sonhava em ter um trabalho para ajudar meus pais em casa. recebi nãos e humilhações. depois estudei, cresci, trabalhei, trabalhei, fiz coisas demais. escrevi milhares e milhares de páginas, fiz milhares e milhares de contas, viajei milhares de quilômetros de ônibus e avião, participei de centenas de reuniões. mesmo depois de tudo isso, ainda me falta encontrar a dignidade.

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