Monday, February 14, 2022

Copacabana no elevador

QUINTA-FEIRA, PERTO DAS 15 HORAS 

Bloco E, Shopping de Copacabana, aka Shopping dos Antiquários

Você abre a porta e dá de cara com um paletó de lantejoulas azuis, uma cabeleira black e o bigode que, juntos, formam uma das estampas mais famosas do Brasil: a de Cauby Peixoto. Então dá boa tarde, recebe a réplica em voz de trovão e finge que está tudo bem porque em Copacabana ninguém se emociona com celebridades - só louvam Clóvis Bornay e Rogéria nesta terra. Fica em silêncio, o grande cantor não diz nada também porque não puxaria conversa com um garoto de catorze anos. Dois minutos depois, o elevador está no térreo, vocês saltam, Cauby passa na porta dos famosos Supermercados Leão e ninguém fala nada também (embora, claro, todos estejam diante de uma lenda da música popular brasileiras - e com um paletó de lantejoulas azuis!


QUALQUER NOITE, DEPOIS DAS 23 HORAS

Você espera o elevador no térreo e, de repente, está a seu lado um dos grandes jogadores do futebol brasileiro: Rodrigues Neto, Flamengo, Fluminense, Botafogo, internacional, Seleção Brasileira, também no Ferrocarril Oeste da Argentina, onde ganhou o apelido de "El Negro Neto". 

Abre a porta e ele faz um cumprimento respeitoso sem dizer nada. Só que o cheiro não engana ninguém: rolou um pileque poderoso. Rodrigues Neto tem encarado dias difíceis: além de jogar, é o treinador da famosa Cooperativa do São Cristóvão. Deve ter afogado as mágoas porque não está fácil para ninguém. 


QUARTA-FEIRA, 11 DA MANHà

Desce Dona Estela. Una oitenta anos talvez, com seu marido de uns trinta e cinco, Marcos. Um amor daqueles que não tinha tanta probabilidade assim. Ela vai lentamente a caminho dos Supermercados Leão, ele fica na portaria. 

O porteiro não perdoa: "Seu Marcos, a Dona Estela já ficou viúva sete vezes. O senhor não tem medo não?"

"Não, cada um tem um destino".

[mentira, tá se cagando de medo

Marcos dá tchau, vai para a Siqueira Campos e se manda. Por via das dúvidas, pegou o contato de uma mãe de santo, para calcular os novos tempos e, no pior cenário, fica de olho nas proximidades e desdobramentos plausíveis.


O GRANDE ATOR, 23:45 HORAS DE QUALQUER NOITE

Carregando uma sacola de compras das Casas da Banha, jornais e um livro, o ator Walmor Chagas entra no elevador do Bloco E e sobe tranquilo para o 13° andar, sozinho e anônimo porque o porteiro, embora o conheça há tempos do prédio, não tem a menor ideia de quem se trata. 

Página eterna do cinema, teatro e TV, ali Walmor é apenas um condômino chegando em casa, num andar que possui 16 apartamentos. Cada um deles possui histórias, dramas, loucuras e contradições que cabem em Copacabana, porque é no bairro que tudo se mistura e contradiz o tempo inteiro. Walmor se alimenta delas para oferecer a sua grande arte aos brasileiros. 

O ator abre a porta do terceiro apartamento à esquerda do hall dos elevadores, larga as coisas em cima do sofá e vai para a janela. Vê a igreja em forma de cúpula lunar no terceiro andar do shopping, o quartel da PM e o posto de saúde. Carros passam em alta velocidade na Rua Tonelero, um ou outro 433, com certeza um 415, todos a caminho da beleza da Lagoa Rodrigo de Freitas. Há quase silêncio no bairro que nunca se cala.

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