Por um momento tive saudades de brincar feito criança. Isso não tem nada a ver com imaturidade - muitas vezes ligada a certa postura sisuda - nem com voltar no tempo, nem saudosismo. A vida é uma estrada que devemos atravessar. Tudo tem seu tempo. Ok, mas desconfio que as pessoas capazes de manter a chama da infância no coração têm mais lapsos de felicidade.
Brincar, brincar, eu brinquei muitas vezes sozinho. Acho que até menos do que deveria. Não que não tivesse colegas, é algo que não sei explicar ao certo, mas brinquei pouco em grupo. Embora seja divertido demais, eu não via botão como brincadeira, era algo muito sério no começo, ficando mais divertido e galhofeiro com o tempo. E o futebol era a mais séria das brincadeiras, na praia, na quadra, no playground e na vila.
Brinquei muito com carrinhos Matchbox sozinho. Não tive muitos, eram caros nos anos 1970, mas tive. Lembro de uns bonecos pequenos de borracha que eu adorava, o Hulk, o Capitão América, eram muito legais. E as miniaturas de plástico que meus pais compravam nas Lojas Americanas e Brasileiras.
Uma vez fiquei louco de alegria. Morávamos no alto da rua Santa Clara, num prédio que não existe mais, quando meu pai chegou cedo da loja num sábado e me falou para que eu tomasse banho porque íamos sair. Foi um passeio dos deuses: descer a rua toda até a esquina com Avenida Copacabana, virar à direita e tum: Lojas Brasileiras. Certamente eu ia ganhar algum brinquedo e, de quebra, fazer o melhor lanche daqueles tempos: fatia de pizza de mussarela maravilhosa, que hoje só o BB Coliseu no das Massas tem. Que delícia! Isso tem 47 anos e eu nunca esqueci o gosto. Ainda ganhei um bonequinho do Zorro, pequenininho, devia ter menos de dez centímetros de altura mas era o poderoso Zorro, todo de preto. Uma grande tarde.
Brincar é criatividade. Noutra ocasião, meu pai chegou em casa e trouxe um pneuzinho para mim. Uma rodinha de borracha que bem lembrava um pneu e só. Como brinquei com aquilo. Girava, dava voltas, inclinava. Talvez me lembrasse uma bola de futebol, minha paixão. Talvez fosse algo diferente, mas eu gostava muito.
Anos mais tarde, quando já era adolescente, lembro também que já sentia falta de brincar nos tempos em que era escoteiro. Muitas vezes, a ronda noturna ficou comigo. Em meio ao silêncio profundo das noites no campo, às vezes cortado pelos bichos da região ou o vento, tudo sugeria seriedade e uma certa solidão, mesmo com 50 ou 60 jovens dormindo nas barracas ali ao lado. E em todas aquelas noites quase solitárias eu sempre senti falta de ser criança, de estar brincando mesmo sendo ainda muito jovem. É um outro tempo que merece muito carinho.
Assim sendo, em meio ao Carnaval só para alguns, eu viajo meio século no tempo, recordo aquela rodinha - tanto faz se o brinquedo é cariou baratísssimo -, os velhos botões, aquele cheiro da pizza e minha pequena emoção é mais pela felicidade dos pequenos momentos. Sem pai nem mãe, com a corda no pescoço e num país de mil guerras, meu brinquedo agora é o debate sobre futebol na TV. Há várias guerras, por toda parte, mas o pessoal só se comove com o discurso da metrópole. Deixa estar.
Vejo os bonequinhos como se estivessem todos ao meu lado. Doce ilusão.
Lojas Brasileiras? Nunca mais.
Ah, a rodinha!
@pauloandel
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