Sunday, January 02, 2022

pro zé

É, meu amigo, as coisas não andam nada fáceis. Por aqui, nunca estiveram tão difíceis. Chego a ter mais medo das janelas, no trabalho nem chego perto: parece que tem alguém te puxando para pular. Fome, miséria e desespero por todo lado. Nunca imaginei que viveria tempos ainda piores do que os da ditadura.

Enfim, chegou a hora do teu pai. Na verdade nunca é a hora para nós, filhos. Sempre será cedo e tem que ser assim mesmo. Fiquei bem triste. Eu conheço muito dessa dor que, para mim, nunca passou e com a qual convivo em 25% da minha vida. Dói, bate, soca na cara e não passa. Criança, jovem ou adulto, ninguém está preparado para a morte dos pais, a não ser que não sinta amor por eles. Bom, o que eu queria era deixar aqui um abraço para você e toda a força. Imediatamente me vem à tona o quanto você foi prestativo com tanta gente, especialmente o Xuru - que faria aniversário estes dias mas às vezes nem parece que morreu, pois sempre lembramos de suas histórias e de seu herdeiro Cler. 

A dor não passa. Ela diminui mas é uma unha encravada para sempre. Dada a impossibilidade dessa questão, aí estão a Ana, o Theo e sua família linda para te dar força e amenizar as coisas. É o caminho de ser adulto: fazer contas, viver momentos divertidos, lembrar o passado e, contra a vontade, ir a mais velórios. Dizem ser o sentido da vida. Vamos em frente. 

Apesar do momento triste, queria dizer que embora não nos vejamos mais como no começo do século, certamente várias das noites mais divertidas que tive foram com você e a turma, em bares que já não existem, numa quadra de futebol que já não existe e até outro Rio de Janeiro, que piorou tão depressa mas sempre dá a esperança de algo melhorar, sabe-se lá de onde. É assim. 

Não conheci seu pai pessoalmente, mas isso não tem a menor importância. Sinto a dor do mesmo jeito pelo amigo, rememoro todas as pancadas do passado. Amanhã, 15 anos da minha Bolinha Mãe. Meu amigo Fredão foi enterrado no dia do aniversário do meu pai, o primeiro sem ele. Quando voltei do velório e sentei na cadeira para trabalhar, avisaram do Alex - meu último golaço foi com ele no gol. 

A centenas de quilômetros de distância, o que esse pobre escriba pode oferecer é um abraço, força e solidariedade. É muito pouco, mas de coração. Você sabe disso. 

Quando as coisas assentarem, vamos marcar pelo menos três chopes anuais. Merecemos isso. Merecemos isso, meu amigo querido. 





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