Saturday, December 04, 2021

sócrates, dez anos depois da morte

Em fins dos anos 1970, o Brasil ainda tinha boa parte dos melhores jogadores do mundo, e todos eles jogavam aqui. São muitos nomes, desde os óbvios até os mais alternativos, mas um deles se destacava pelo estilo único: Sócrates. 

Eu me lembro que ele fazia golaços e sequer comemorava, como se as obras de arte fossem triviais. Logo chegou à Seleção e marcou época. Iniciado no Botafogo de Ribeirão Preto, virou a eminência do Corinthians. Outro golaço: cortando para a direita e matando o goleiro Jagger, do time holandês Ajax. 

Ao lado de outros próceres, Sócrates reconduziu o futebol brasileiro ao estrelato. A excursão brasileira à Europa em 1981 colocou o Brasil como favorito à Copa da Espanha, e não era para menos: ganhamos Alemanha, Inglaterra e França em seus domínios, com autoridade. No ano seguinte, embora a Seleção jamais tenha repetido na Copa as brilhantes atuações que ofereceu por dois anos seguidos, Sócrates foi importante do começo ao fim, do golaço contra a URSS ao empate contra a Itália no primeiro tempo. 

Não lhe bastou ser um craque imortal. Foi um líder, uma referência, uma presença inesquecível. Na Democracia Corintiana, que subvertia o totalitarismo no futebol, até sua luta pelas Diretas Já - cogitando até mesmo não deixar o país caso as eleições para presidente voltassem à pauta - , Sócrates marcou o país mais além de suas jogadas brilhantes e de seus gols arrebatadores, como um cidadão engajado. A seguir, ganhou e perdeu, jogou mais uma Copa e saiu invicto, trocou de clubes mas sempre deixou sua assinatura, mesmo quando o corpo já não obedecia à cabeça em campo. Quem o viu de perto em seu auge sabe que ele foi um monstro, dos maiores de todos os tempos. 

Dez anos depois de sua morte, Sócrates é a maior referência de cidadania na história do esporte brasileiro. Para ele, o país merecia a mesma felicidade que as tantas arquibancadas servidas com seus espetáculos. É duro saber que partiu tão cedo, porque o Brasil precisava muito dele, mas talvez ele tenha sido poupado de tanta mediocridade e manipulação que o país tem sofrido, com sucessivos golpes dentro e fora dos gramados. 

Sócrates, o craque, o médico formado, o cidadão, o militante político. Ele foi muitos grandes homens num só. Às vezes o vejo no YouTube e penso que ele está vivo. Quando me lembro de que jogadores não devem ser pessoas alienadas, desinteressadas de seu povo, eu penso em Sócrates. Quando penso em elegância e passes fantásticos de calcanhar, eu lembro de Sócrates. Quando me tornei um garoto apaixonado por futebol, foi porque vi gênios como Sócrates. E se agora me emociono no fechamento destas palavras, é porque mesmo vivo nas imagens, frases e histórias, ele deixou uma lacuna que não cabe preenchimento. 

@pauloandel

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