Tuesday, May 22, 2018

Os trechos dos livros que ainda não foram escritos

Participação especial de Amanda Rodrigues.

Prefácio de Marcelo Migliaccio.

Direção de Zeh Augusto Catalano.

“O Sr. Robert, 70, desceu à rua. Veio ao Rio de Janeiro por motivos profissionais, mas já conhecia a cidade de outros tempos. Num domingo nem frio, nem quente, com nuvens em Copacabana, ele caminhou vestindo um casaco talvez jeans, uma touca e óculos escuros. Noutros lugares, talvez a indumentária chamasse a atenção, mas não no bairro da praia mais famosa do mundo, onde andar vestido com um uniforme de super-herói ou com uma fantasia de viking não causa qualquer espécie - desde os anos 1940, alguns moradores da região faziam coisas bem piores (ou melhores, dependendo do ponto de vista)."

"Uma vaca preta e solitária caminhando tranquilamente pelo pasto verde e rente, bem rente, numa espécie de mar da tranquilidade esmeraldina, sem ninguém por perto, nenhum tocador ou fazendeiro, nenhuma outra vaca também, simbolizando o tempero de solidão que se sente quando se está numa ilha - e os Açores são assim, deitados elegantemente nos braços do Atlântico, onde não se vê um barco sequer ao longe e, ao fixar os olhos na linha do horizonte, é inevitável sentir o gosto da melancólica reflexão sobre o mundo.

"Mas afinal, onde foram parar os flamboiantes da cidade? E as amêndoas, cada vez mais raras e sem os minicraques da pelota, loucos para chutá-las e marcar lindos gols imaginários no estilo do falecido Maracanã? As jovens normalistas e os pequenos jornaleiros, cadê? Símbolos de charme e juventude, noves fora nada.

"Ah, Thaís, como eu te quis! Desde a primeira vez que te vi passando tão linda no saguão da faculdade, nunca mais te esqueci. Eu pensei em você quando estive em outras cidades, em outros causos e outras mulheres: todas foram traídas por você involuntariamente. Pensei em você nas noites de luxúria e solidão, nas noites de festa e lazer, no gozo de ocasião. Eu encontrei você nos meus sonhos de putarias mais doidas e também nas cenas mais românticas de uma pracinha do interior. Ah, Thaís, eu te quis o tempo inteiro até que fôssemos uma só carne e um abraço."

"Trinta anos depois, Vaz Lobo estava completamente diferente. A Edgard Romero completamente deserta às sete da noite, mesmo em frente da antiga Nuno Lisboa. Do outro lado da rua, o prédio de quitinetes onde morei com meus pais por alguns meses - os antigos moradores eram jovens estudantes comunistas que fizeram lá dentro um mosaico com fotos de jornal, especialmente a de Mussolini de cabeça para baixo. Cheiro de rua triste. A lanchonete Miguelão estava morta."

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