O QUE ADIANTA essa
luta estúpida que não vai dar em nada? O ódio das ruas, a opressão, olhar para
trás e estar bem mais perto do fim do que do começo, nada mudou de verdade
exceto o tempo que é cada vez mais exíguo. Temos nossas próprias guerras e o
mundo não vai nos escutar ou acudir. Continuamos chorando pelas ruas sem que
ninguém dê atenção ou sequer perceba. Somos o desalento. E então nos amontoamos
nas cidades em barracos, marquises, três, ônibus e calçadas. Todas as velhas
mãos esmolando e esperando a hora da morte continuam lá. Todos os garotos
negros, humilhados famintos, continuam com suas caixinhas de engraxate à mão,
sentados com os olhos esbugalhados em frente à vitrine da loja de
eletrodomésticos, sonhando com um desenho animado, um lanche, uma noite de paz
que nunca virá. O QUE ADIANTA essa luta estúpida que não vai dar em nada? Os
homens pomposos, cheios de diplomas, mal sabem ler as evidências. E trocamos
nossas livrarias por restaurantes, nossos cinemas por igrejas, nossos centros
culturais por nada. Estamos muito ocupados com os smartphones tocando canções
toscas ou oferecendo joguinhos de passatempo. Ou conversas daquilo que nunca
vão chamar de amor ou atenção, sequer afeto. Passatempo. Estamos cheios de
armas por todos os lados, mortes por todos os lados, as famílias choram
diariamente por alguém que nunca deveria ter ido à toa. As pessoas são
honestas, mas os empregos estão acabando e não há vagas para todos: muitos vão
ser ainda mais humilhados, oprimidos, tratados como lixo na sociedade onde cada
um é um número, um quadro, uma merda qualquer exceto gente. Não somos mais
gente, muita gente não nos considera gente e sequer a si mesma. Somos quadros.
Números. Códigos numa lista de espera. Somos currículos jogados fora numa
agência de empregos. Somos os receptores de “Muito obrigado, a gente te liga”. O
QUE ADIANTA essa luta estúpida que não vai dar em nada? Nós seremos sempre
amores desencontrados, portas fechadas, endereços por engano, clichês da
desilusão. Nenhuma droga vai nos salvar; no máximo, tentar minimizar a dor, até
que vem a realidade das próximas horas e tudo volta ao caos de sempre. Ficamos
acostumados a anormalidades em forma de mundo corporativo s.a. – e como você
não inventou o mundo, não tem culpa dos mortos no prédio implodido da
Paissandu, nem do antigo Edifício São Vito – alguém se lembra? NÓS somos o
desprezo ao Morro do Bumba, a indiferença diante de quilômetros de miséria,
ameaças, estupros e humilhação. Nós somos o gado sem rumo dando porrada uns nos
outros para sentar no banco de aço do metrô, porque eles são poucos e o trem é
feito para as pessoas irem apertadas em pé mesmo, porque quem trouxe os trens
acha que pobre tem mais é que se fuder, apoiados até por alguns pobres que não
se consideram pobres, assim como temos os negros que apoiam o racismo, os gays
que acham graça da homofobia, os saudosos da ditadura que não se importam com
os mortos e estuprados por ela – “estavam fazendo merda” – quem diz isso
deveria pagar imposto sobre a própria respiração. A cada dois anos as manchetes
se repetem. Não somos capazes de valorizar quem nos valorizou. Este é o mundo
moderno de 11 de maio de 2018 e, tirando os iphones e as grandes televisões, o
que nos restou foi uma Idade Média com 210 milhões de pessoas, sendo que a
metade delas somada tem menos dinheiro do que seis criaturas deste país, e alguém
ainda vai dizer que esta matemática tem condições de gerar prosperidade. A
verdade é que estamos todos condenados e vamos cumprir penas, alguns com todo o
conforto em casa e as manipulações que já se conhece bem, enquanto outros vão
se arrastar até o nada: a carne podre, dissolvida em caixas mortuárias,
esperando que alguém tenha saudade de seus ossos. As pessoas estão ocupadas
demais porque em muitos casos perderam completamente o senso de humanidade. O
outro não é nada, é só um móvel ou uma vassoura ou uma caixa empilhada.
Aplaudimos os golpes e ficamos em silêncio quando somos empalados por eles.
Ainda somos os mesmos patetas que imitam a novela, que repetem as falas dos
telejornais sem nenhum senso crítico. Talvez toda essa merda também seja culpa
nossa; na verdade, é mesmo. O desencontro, o desprezo, a distância asséptica,
nós inventamos isso em nossos tempos modernos e, em breve, chegaremos ao auge
da vanguarda, quando nossos apartamentos não passarem de cavernas onde
estaremos abrigados por causa do mundo injusto. Tudo que está aí é inaceitável
e, por quarenta anos, do meu jeito, com os meus pobres recursos, eu lutei
contra isso e não passei de um escravo da dignidade do homem. Continuo sendo,
mas agora estou morto, me vejo morto e só assim posso respirar minúsculos
segundos de liberdade em sonho. Finalmente chegou o dia em que, no fundo, somos
todos infelizes demais – e o pior: nós mesmos construímos os diques que,
planejadamente, foram afundados para que todos nos afogássemos sem paz, com
exceção daqueles que, debaixo d’água, com os pulmões alagados, ainda riem e
debocham dos outros, sem perceber que serão tão chicoteados até à morte como
suas vítimas do ódio. O QUE ADIANTA essa luta estúpida que não vai dar em nada?
Eu estou morto, não tenho santos, nem paz, e carrego comigo apenas uma sacola
cheia de tristeza porque meu povo nunca será livre.
@pauloandel
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