Tuesday, April 17, 2018

uma oração para copacabana

estes são dias em que nada supera o cheiro de ruas tristes

enquanto sou um exilado em meu próprio bairro

contando as horas para uma libertação que nunca virá

somos prisioneiros do ódio e da indiferença: o outro é o esgoto! 

copacabana, eu sou autópsia! 

suspirando pela lembrança da boite bolero e suas doces putas tristes
entorpecidas com cocaína

e sonhando com uma libertação que nunca virá

os mendigos e seus olhares derrotados
vazios e tristes demais

copacabana, eu sou teu suicídio
escondido nas cortinas do passado
em teus romances trágicos de fé

as moças em voo da morte
enquanto a bossa nova explodia

éramos futuro, poema e saudade
agora não passamos da desolação

oh, senzalas de marquise, farmácias lotadas, gente chique escondida
e as favelas do metrô - existe o sol! 

estes são dias da indiferença a sangue frio e os derrotados comemoram

a vez é dos nazistas, dos racistas, homofóbicos e principalmente hipócritas: 
quem vai resgatar o morto das pedras do leme? 

somos tão alheios aos outros, não precisamos de ninguém

minha cabeça é um crânio ensanguentado num quitinete de piso frio e branco no coração de cada

onde está o homem queimado que fazia belos desenhos na grande avenida? 

a mão que matou aída curi é a mesma que fuzilou marielle noutro canto da grande cidade 

os filhos de porteiros já não namoram as garotas dos prédios de Garbo
e a orla da praia parece tão triste

o ódio é o óleo queimado da nossa tristeza e já não temos para onde ir 

somos a grande capital da miséria humana, tão superficial 

nunca mais pintaremos as ruas nas copas do mundo

nossos amigos estão mortos e desaparecidos ou trancafiados nas celas dos smartphones 

copacabana eata semana morreu: deixou seus órfãos mas nenhum bem material que não seja a beleza

as mais doces putas nunca foram vistas novamente 

nem o mendigo cadeirante com sonda de urina em berço de morte na rua siqueira campos 

nem os meninos que esmolavam perto das casas da banha

copacabana, meu ventre escravo é tua dor interminável, o rio rumo ao mar infinito até a busca de terra firme e corações abraçados - também órfãos da tempestade

e é preciso chorar pelos irmãos separados, as vidas espatifadas, as vidas em vão feito carne a moer em máquinas do progresso

não é possível crer que todos cantaremos juntos uma grande canção

nunca mais nos encontraremos nos bares, nem beijaremos as belas garotas e nem os rapazes vão se entender

o cirandinha está morto e enterrado
o bonino's está morto e enterrado
e decapitamos nossa classe

sou outono e quero ser inverno, perdição gelada aos pés do atlântico sul, sem minhas tardes de cinema

copacabana pulou da janela e não deu chance de resgate
espatifada na calcada, planeja uma ressurreição alla gotham city
porque fausto fawcett resiste
o bar sniff resiste 
e katia frança voltará da flórida para nós redimir - não, não seremos o inferno! 

esta semana eu sou minha dor solitária e vejo ao longe as areias que beijam o forte

a morte não resiste à minha tristeza infinita - eu posso derrotá-la
nenhuma bala no crânio há de solicitar o meu fracasso, vendo os meus em descaso, perdidos entre as distâncias e o nunca mais 

copacabana, minha eternidade que beija o déjà vu, que abençoa os randez-vous, que amansa e aquece conspirações

se tudo parece perdido, ainda temos nossas ruas e amores, pequenas histórias desimportantes que regamos com risos e lágrimas, nossas pequenas vidas

tudo é efêmero, mas a linda curva de areia está fadada à eternidade - é a beleza que ainda nos serve de resistência enquanto temos forças

copacabana, capital dos sonhos, desilusão dos miseráveis, combustível da imensidão humana, verso e bairro

descanse meu coração em paz

@pauloandel  

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