Tuesday, December 12, 2017

45 minutos no Centro

Há semanas e semanas eu não caminhava pelo Centro. Aquela coisa de descer da Cruz Vermelha até a Uruguaiana, por exemplo.

No fim da tarde as ruas estão vazias. As pessoas, cabisbaixas. O Largo de São Francisco, deserto. Antes disso, uma visita à minha amiga Raquel Alves, sempre com CDs fantásticos: só ela podia ter Trey Anastasio no estoque.

Rua da Carioca, as lojas fechando, outras permanentemente fechadas, o trânsito ao contrário, pelo menos se salva a Casa do Choro. O Bar Luiz respira com ajuda de aparelhos. Outro dia mesmo eu saía com meus trocados do IFCS e bebia um chope dourado por lá, vinte anos que escorreram pela pia. O único momento alegre da rua é numa loja com trinta pessoas paradas na porta, resolvo espiar e tem uma TV com o jogo do Grêmio no Mundial - e há quem creia que é só um jogo quando milhões de homens fixam seus olhos à tela e procuram os melhores anos de suas vidas - a infância correndo atrás de uma bola.

Lojas Americanas da Uruguaiana, sinto um enorme aperto no coração porque antigamente sempre comprava coisas para minha família - e ela se foi. As pessoas disputam os presentes de Natal, mas nem de longe com a lotação de outras épocas. Uma vez comprei lá um liquidificador para minha mãe, que ficou felicíssima - eu era um estagiário e tinha a vida pela frente.

Resolvi descer no Metrô Carioca e atravessá-lo até a avenida Chile. Na porta, um morador de rua faminto, sujo, desesperado e uma senhora tentando saber onde estava sua família, provavelmente com a melhor das intenções mas sem perceber a dor do momento. Desci a escada, voltei, ela já tinha ido, ele continuou lá, dei-lhe vinte reais, ele quase chorou e eu também, porque estou cansado de ver tanta gente sofrendo na Terra desde que me entendo por gente - daquele dia em que minha mãe mergulhou em lágrimas ao ver a jovem mendiga com sua pequena filha, dando-lhe uma quantia e entrando em desespero a seguir, logo após termos saído do Metrô Copacabana em 1973 - de lá pra cá, vejo diariamente o sofrimento das pessoas realmente necessitadas e tenho raiva de mim mesmo por não ter condições de transformar suas vidas.

ATRAVESSANDO o metrô você vê o maior exército da solidão do mundo, uma multidão indo e vindo com toda pressa como se estivesse em fuga - as pessoas só têm olhos para os smartphones, o amor ao próximo parece tão escasso. Então vem a escada de degraus e a saída, onde logo se vê a turma da Petrobras descendo do elevado do BNDES.

Passe pela Chile e, logo abaixo da República do Paraguai, lá estão caixas, papelões e gente morrendo sem chance a conta-gotas. Mais à frente, grandes carros pretos corporativos prontos para transportar importantes executivos nessa terra de ninguém, no coração de uma cidade devastada por ladroes de termos bem cortados - e golpistas também.

Quase na esquina com a Lavradio, um garoto muito louco de crack grita uma canção de letra ininteligível e ri, sem a menor noção de onde estamos e, por isso mesmo, talvez até mais feliz diante de sua própria tragédia.

Duzentos metros depois, duas jovens saem do prédio da Nova Petrobras com expressões apreensivas, parecidas com seus colegas de trabalho nos restaurantes da região. Lembro de comprar quatro pães franceses na padaria. Peço queijo minas, não tem.

Paro na esquina da Henrique Valadares. Alguns fregueses conversam no churrasquinho da esquina. O céu gris não traz a chuva prometida. O movimento dos carros é pequeno. Dei uma bela volta no centro da minha cidade, e sou capaz de apostar que ela só esteve mais triste em dezembro de 1964 e 1968 - quando eu tinha cinco meses e era a alegria da minha família. A cidade não para, mas ela está triste demais. Nenhum lugar traduz o Brasil tão bem quanto o Rio, para o melhor e o pior.

Chego em casa, tenho uma boa conversa no fone com o craque Ricardo Mazella, finalmente tenho uma notícia legal. Desligo. Agora são oito da noite, o que resta é tomar banho, comer e descansar, até que nasça o amanhã cedo com tanta gente sofrendo na rua, no que sobrou dos empregos, nas calçadas abandonadas e na certeza de que tudo devia ser diferente, diferente demais.

@pauloandel

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