Hoje, após denúncia de "haters", a escritora Elika Takimoto foi bloqueada do Facebook, por 24h, após uma postagem em que falava sobre o fechamento da exposição promovida pelo banco Santander, boicotado e denunciado, igualmente, por membros do MBL. Colocarei o mesmo texto aqui e vou esperar ser banido. Aguardemos as consequências, Sr. Mark Zuckerberg.
Eis o texto:
Com tudo o que aconteceu sobre o episódio-exposição-Santander, além de ter ouvido pérolas que o “banco Santander virou marxista”, “não gostei portanto isso não é arte”, “esquerdistas apoiam pedofilia” e coisas afins, o que me chocou mais foi ver o incômodo causado por um “quadro” de um homem fazendo sexo com um animal e a conclusão de que aquilo era apologia à zoofilia.
Não sou de julgar ninguém, mas achei de uma falta de coerência extrema e, porque não confessar?, uma burrice sem tamanho. (Se registrar artisticamente um crime é apologia ao mesmo o que essa gente vai fazer com os livros de literatura?)
Não tardou para ser chamada de insensível com os bichos. Logo eu, vegetariana tentando virar vegana.
No mais, só provocando, se o bicho tivesse sido desenhado morto em cima de um recipiente com uma maçã na boca cercado de batatas coradas não haveria a mesma comoção pelo animal em questão que possivelmente sofreu horrores durante a vida e na hora da morte como tantos são os bichos que são torturados e vão para o vosso prato.
Voltando ao foco de minha postagem:
Verbalizei o que senti em um tweet: “Fala que quadro mostrando a zoofilia é crime, mas nunca se manifestou contra obras retratando a escravidão. Estamos de olho.”
Ora, se retratar bicho sofrendo abuso é apologia ao crime por que as obras com os negros sendo torturados não causaram a mesma comoção? Que lógica é essa que só se aplica ao animal?
Qual foi a minha surpresa hoje ao ver o quadro completo! O que havia nele? Negros sendo tratados da mesma forma que o bicho! O que foi recortado para falaram que a exposição não prestava? E se a exposição fosse só de negros, e de mulheres negras e brancas sendo abusadas? Será que seria também proibida? Ou viraria produto pornográfico como tantos outros?
Em tempo, apologia ao crime é isso que vocês todos andam fazendo: a famosa indignação seletiva. E fiquem com essa verdade: proibir exposição porque se sentiu ofendido flerta com o fascismo. Não vai assistir, fale mal, mas censurar exposição artística jamais.
Abram os olhos e pensem antes que a fogueira de livros seja acesa porque montada ela já está.
NÃO HÁ ARTE POSSÍVEL PARA A GENTE
DE BEM
Daniela Name
O Globo, 12/09/2017
RIO — Uma exposição que inflamou
aquela cidade fria. Os cidadãos de bem comentavam, mesmo sem ter visto. As mães
protegiam seus filhos daquelas telas, esculturas, fotografias e objetos,
consideradas uma ameaça à família, ao espírito nacional, aos altos valores.
Cada obra como um ataque premeditado à ordem; cada defensor desse tipo de arte
como um pervertido, pedófilo, bandido ou prevaricador — talvez todos os
atributos combinados. Uma patrulha civil, milícia da moral, de plantão do lado
de fora, abordando e intimidando as pessoas. Afinal de contas, quem não é pelo
bem compactua com o mal. Porto Alegre? MBL? Mostra queer? Não. Este texto
começou em Munique, onde, há exatos 80 anos, em 1937, um certo Adolf Hitler
transformou a mostra "Arte degenerada" em uma de suas principais
peças de propaganda ideológica.
Nas paredes e no espaço, obras de
Piet Mondrian, Emil Nolde e Oskar Schlemmer, entre outros grandes nomes da arte
moderna. Esteticamente, eles representavam a ruptura com a ideia de
verossimilhança e com o sistema de representação ordenado e hierárquico vigente
desde o Renascimento.Simbolicamente, apontavam para a arte como um horizonte de
ambiguidades, de opacidade e de ficção; um campo sem compromisso com o real; um
impulso sempre faminto de liberdade e de utopia. E, é claro, um perigo
avassalador para a intolerância e o discurso monocórdio de Hitler. A exposição
"Arte degenerada" deu ao ditador a chancela para a destruição de
obras dos artistas participantes e também de Picasso, Kandinsky e Matisse —
todos vistos como vetores "judaico-bolcheviques". O resto da história
conhecemos bem — ou ao menos deveríamos: obras de arte queimadas, escondidas,
destruídas. Artistas e pensadores fugindo ou morrendo.
Na Porto Alegre do último
feriado, uma instituição financeira internacional, o banco Santander, fechou um
projeto que se dispôs a patrocinar. Uma exposição apresentada à opinião pública
como um libelo a favor da diversidade, inaugurada há menos de um mês. No Rio,
não vi a montagem da mostra, embora conheça bem boa parte das obras
selecionadas pelo curador Gaudêncio Fidélis.
Ao percorrer os trabalhos
reunidos em "Queermuseu — Cartografias da diferença", percebo que o
subtítulo sintetiza muito melhor esse projeto do que seu título. Trata-se de um
conjunto que procura debater, antes de mais nada, a importância da alteridade,
e não apenas através de um filtro das bandeiras LGBT. Há um retrato de
Portinari e obras relacionais de Lygia Clark mescladas a trabalhos de forte
conteúdo erótico, como as fotos de Alair Gomes. E de outros trabalhos que
apresentam cenas de sexo, mas para que elas discutam alto muito além dele, caso
do trabalho "Cena interior II", de Adriana Varejão, uma reflexão
profunda sobre os estupros e os bastardos produzidos em nosso período colonial.
É uma mostra sobre duelos diversos para a conquista da diversidade, propostos
por um grupo de obras que não veio ao mundo para nos oferecer paz. A arte e o
museu contemporâneos serão sempre mais potentes quanto forem menos
apaziguadores — e a reação à mostra gaúcha é apenas uma comprovação disso.
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