não se trata de um exercício da vida, olhando para o bem e o
mal. é o cumprimento de uma pena enrustida. todos os dias você acorda livre,
absolutamente livre, e se depara com todos os seus sofrimentos e os daqueles
que lhe são próximos, ou mesmo os irmãos que jamais verá ainda que sejam objeto
da tua solidariedade. não, não é a vida como ela é, mas como ela foi imposta e
você não tem o menor direito de escolha, exceto aceitá-la e sofrer para sempre
ou abreviá-la por seus próprios meios, sendo condenado ao vale dos traidores,
ao título de louco, de insano, de fraco, como se você fosse quem escreveu todas
as desgraças que vemos todo dia. isso não é a vida como ela é, mas a tortura
como ela é imposta. você está sozinho, absolutamente sozinho como sempre esteve
e, ao olhar de agora para trás, revê um rio interminável com a vida afogada em
mágoas, desenganos, falsidades, hipocrisias, egoísmos, invejas e violências.
não é a vida como ela é, mas sim a que o sistema maldito reservou para você e
os seus, os famintos e os malditos, os mendigos e os perdidos nas noites frias,
cruéis e indignas. eis a tempestade, a longa e tenebrosa tempestade, varrendo
as misérias do asfalto, traduzindo toda a inutilidade de luta contra o mal
porque a vitória pertence aos ruins, aos sujos de alma e aos incapazes de ver o
outro senão como um objeto ou saco de lixo conforme a circunstância. não há
religião, política ou dialética que justifique a destruição do homem pelo
homem, que aceite como normal morrer de fome, de sede e de exaustão do sentimento.
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