encafifado numa poltrona
confortável
e navegando nos canais
da TV a cabo
numa casa aprazível
cercada de luxo e posses
está o diabo
o bode expiatório das mazelas
deste mundo admirável
- o grande e único culpado
ouve e vê as notícias
espantado
com a hipótese
de ser responsabilizado
pelas tragédias cotidianas:
ele inventou o fuzil, o confronto
o acordo de guerra e paz
- as cabeças decapitadas
- os corações arrancados
um atentado, um crime encomendado
ou um superfaturamento qualquer
um pobre diabo, mero estafeta
das meias verdades do mundo
é o inimigo número um da
multidão:
não cabe em igrejas, templos,
cultos
ou rituais de ocasião
profana
restam-lhe a poltrona
e o controle remoto
para espiar todos os males, os
males
suas realizações vis e
traiçoeiras:
relatos de um homem comum
o diabo, espantado
com as mortes por motivo fútil
as violências pela
insanidade
e os sentimentos mais mesquinhos,
sujos e vergonhosos, abomináveis
- ele não fez nada além de espiar
as notícias de um grande
telejornal
sem boas novas nem promessas
apenas a admirável decadência
humana por demais
uma boa noite e o diabo assustado
receoso pela culpa que lhe cabe
desliga a tv, a luz da sala
e refugia-se na velha poltrona
amiga vermelha e também puída:
ali é um mendigo bem remunerado
completamente desapontado
encolhido sob a imaginária
marquise
e gritando por dentro: não, não,
senhor
eu não tenho culpa de nada!
sou apenas um pobre diabo humilde
e não arquitetei essa guerra!
vós que tirastes os pecados do
mundo
escutai a nossa prece
eu não arranco corações
e não decapito pessoas
eu não planejo atentados
e nada tenho a ver com estes fuzis!
o que me resta é ser um
homem
desta terra de ódio e incerteza
enquanto cada noite tem horrores
e a insônia santa do caos
@pauloandel
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