Thursday, October 06, 2016

mátria mãe gentil


e você, você, você de novo
com a sua fala esgarçada
mofada
contando as mesmas piadas
e só fazendo rir
quando se leva a sério

repetindo os versos ruins das revistas
e as manchetes deploráveis
repetindo tudo o que acredita
sem parar para pensar o razoável:

- eu li, eu vi, me contaram, eu sei!

enquanto seus senhores feudais riem
durante coquetéis refinados
e poses planejadas por horas a fio

você repete as manchetes
as notícias fabricadas
as verdades oficiais dos panfletos
e tudo é tão belo e perfeito

quem te entorpeceu para que não visse
o triste fim do mundo?

a praça da apoteose de auschwitz
é o carnaval da desgraça do mundo

as grandes corporações lucram muito
com a lenta decomposição do mundo

e tudo passa rápido como um anúncio
de cinco segundos no youtube:
- o senhor esteja convosco!

até o último segundo da noite
esperei pela salvação do mundo

mas ela não passa na TV, nem no Face
nem perto dos áudios indiscretos
nos nudes, nas putarias, nos batidões -
quem inventou esse lindo novo mundo?

louvado seja o vosso nome!
agência, conta e o senhor no coração!

brincamos de politizados, acadêmicos
gestores preparados, tão destemidos
homens brancos de bem, do povo
do povo o caralho! do povo o caralho!

fascistas de merda, homofóbicos cus
fiquem todos atentos à cadeia nacional:
o ministro fala bonito e elegante ao léu
mas as palavras são vazias, frígidas

somos cachorros com a língua de fora
inebriados com as imagens do sabor
vendo o frango assado girando livre
no espeto da galeteria - é lua cheia!

nós, números de empresas, de listas
e cadastros e zonas e arredores
números contábeis, tributos baratos
números de lápides abandonadas!

o futuro só pertence às carnes podres
nobres decomposições da matéria
e o fim do mundo não existe tão bem -
a dor é o vazio, a nossa desesperança

até quando você vai se entorpecer
com as incomparáveis mentiras
das manchetes, das listas notáveis
dos senhores ocos de retórica vadia?

só o amor constrói a beleza da ilusão

enquanto vivemos entre os tragos
o choro solitário e a melancolia do fim

viva o esquartejamento da falsidade!
saudemos aos céus a nossa ignorância!
somos idiotas fantásticos: temos razão
mas as conclusões são pura inutilidade

os belos fogos do morro são a prova
da nossa indigência intelectual nua:
- achamos muito bonito! bonito demais!

as pessoas estão nas ruas porque gostam

não temos nada a ver com a dor alheia

nós não fizemos o mundo desse jeito:
na verdade, o que não fizemos foi nada!

@pauloandel



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