Sunday, May 31, 2015

perdemos tempo demais com bobagens

Finalizava a revisão de páginas de um livro e ouvia Betty Carter.

Meu amigo Tiba escreveu pelo celular que seu pai havia morrido nesta manhã de domingo. 

Trocamos algumas palavras eletrônicas enquanto ele vaticinava: "Perdemos tempo demais com bobagens". Fazia e faz todo sentido.

O amigo foi para o enterro em Volta Redonda.

Pensei nas inúmeras coisas que deixamos de fazer, eu e meu pai. Um diálogo foi muito difícil devido a momentos de aspereza durante décadas. Antes do fim, tudo foi resolvido, mas perdemos tempo demais.

A dificuldade de conversa, as divergências, certas vaidades, a incompreensão, a inflexibilidade.

A incapacidade de se colocar no lugar do outro.

A eterna falta de tempo que vira indiferença. Abraços viram mensagens inbox. A vida vivida vira vida imaginada.

Tudo isso e muito mais nos leva, mais dia, menos dia, a uma inevitável reflexão sobre o sentido da vida e o desperdício de tempo com o exercício das pequenas coisas.

O sentido da vida.

O sentido.

A vida.

A vida.

O resto é o intervalo para respirar enquanto vemos as dores na rua, a violência descabida, o egoísmo.

Perdemos tempo demais com bobagens.

É preciso parar com isso. Só.

@pauloandel

Tuesday, May 19, 2015

bonde do mundo cão


essa dor que nos consome e atormenta diante das grandes corporações urbanas
tem que fazer acontecer um caminho, uma alegria, uma razão de vida
uma pequena chama de paixão acesa a se traduzir em cor
essa dor das favelas debaixo das marquises concretas antes que o gás nos exploda
as crianças mendigas vivendo morte após morte a céu aberto
as gentes batendo cabeça nas calçadas abarrotadas de trabalho:
- a hora do rush – a fila do banco – as compras para entorpecer a sensação de vazio
vamos tirar a felicidade do vente a fórceps, oh pátria amada!
somos os maiores do mundo se as verdades forem varridas para debaixo do tapete
os mais machos, corajosos, vencedores, famosos e cobiçados – ah, dor!
vamos esquecer as mágoas numa mesa de bar – ou num banheiro proibido
 - nem pensar no mundo lá fora, senão enlouquecemos
essa dor que faz a roda do mundo girar, não podemos parar, não devemos pensar
quem aqui vai ter coragem de mudar seu próprio destino?
deixemos as melhores canções para os artistas malditos, sem sucesso, desprestigiados
porque ninguém os entende
e torçamos para a miséria ser pequena quando o carro parar no próximo sinal

- eu quero o ventre livre já no próximo feriado! - a canção de liberdade precisa ecoar quando vier um novo feriado! - a vida é um cheque pré-datado

para sérgio sampaio

@pauloandel

Thursday, May 14, 2015

novo livro em breve


@pauloandel

Tuesday, May 12, 2015

50 anos de satisfaction











@pauloandel

Monday, May 11, 2015

Friday, May 01, 2015

o idiota

esgueirando-se pelos escombros dos argumentos
fazendo da lógica um ataque epilético
cozinhando a ignorância, celebrando a covardia
um idiota faz da hipocrisia a sua sacada num palácio real
uma celebridade insignificante
um puxa-saco, um borra-botas
o oxigênio do idiota é a insensatez - nela, constrói suas verdades
agride, difama, calunia
entorpece as falas razoáveis
deturpa fatos, relativiza o óbvio,
e sua ignorância mora num sorriso alvar
oh, o idiota
espalhado democraticamente em todos os lugares
nas grandes corporações, em tomadas de decisões, ácaro na cueca dos homens desejados
papagaio de pirata dos atos falhos
o idiota na política persegue os comunistas e vê futuro nos fascistas
o cidadão idiota cobra honestidade com hipocrisia, aplaude a história editada, faz-se um torcedor eleitoral
um débil mental
o idiota nas frentes de trabalho, rastejando-se para sabotar colegas, mentir, constranger
e a vitória vira cachaça num balcão vulgar de bar
em troca de moedas sujas, o dinheiro de merda
um alcoólatra de merda
o idiota nas grandes faculdades carregando livros pesados só para ler as orelhas, as orelhas
o idiota classista, que defende a injustiça e a desordem, que vê o Rio somente nos cartões postais
debocha dos mendigos, autoproclama-se artista, acredita ter méritos
mas não consegue ver ou ouvir o talento alheio
um idiota rouba a própria empresa onde trabalha, o prédio onde mora, o vizinho
e dorme tranquilo
mas nem desconfia da concorrência: outros idiotas
a querer o seu sangue, sua cabeça de porco
para o idiota, só existe uma única e inevitável dor: ao olhar-se
diante do espelho, finalmente ele encontra a sua realidade
um idiota vê a si mesmo num verdadeiro carnaval da mediocridade
os belos apartamentos estão cheios de idiotas
as casas políticas são refúgios de idiotas
as redações dos jornais, os cenários corporativos, os maus escritórios
o futebol recheado de idiotas
a apoteose e seu desfile têm idiotas
o grande réveillon do rio
tem dezenas de milhares de idiotas
os golpes de estado, as guerras civis
vale o que está escrito
em provas ridículas, páginas fúteis, teses encardidas, processos estúpidos
aquela esquina antiga também tem um idiota
o mar do imbuí já teve um banhista idiota
os políticos corruptos, protegidos pela burguesia, pensam que todos são idiotas
idiotas fazem arte, rimam errado, desfraldam diplomas, ostentam dinheiro
e não pensam na mãe pobre debaixo da marquise com suas crianças esfomeadas
os doentes no leito de morte
os jovens negros mortos na guerra
idiotas não enxergam a insanidade nem em si mesmos
um chefe idiota, um empregado idiota, um professor idiota, um aluno também - o pobre e o rico, o gordo e o magro, o preto e o branco
o alto e o baixo
o idiota é o nosso petróleo: as reservas são inesgotáveis
oh, idiota: mesmo em seu mundo de torpeza e ignorância, orai por nós - faremos o mesmo em prol da tua alma turva, atormentada
falida no fracasso de uma vida opaca
o outono está nas ruas num feriado de maio
alguém liga a televisão e escuta o idiota
os livros estão fechados e empoeirados
idiota
idiota
cinco mil vezes idiota

@pauloandel