Saturday, January 03, 2015

junkie

"Numa tarde de agosto de 1988, cumpri meu ritual dos últimos meses: aulas na UERJ, voltar em casa para o almoço (geralmente bife de fígado com arroz e purê de batatas, feito por minha querida mãe sempre que possível; noutras, pão com manteiga mesmo), banho, descanso e saída para a tradicional reunião das tardes na casa de Fred, que podia ir até quase meia-noite em algumas ocasiões, onde valia desde carteado a audições de discos ou discussões sobre nada importante. 

Do meu prédio até a casa do amigo, um percurso que não chegava a cem metros: Bloco É, saída à esquerda na direção Figueiredo Magalhães, Supermercados Leão, a rampa circular e estilosa do shopping, a loteria do Seu Carlos cheia de escudos de times de futebol, a loja de artigos chineses, o armarinho dos pais do Luiz Octávio, a loja de flores que tinha sido dos pais do Peter, dar a volta em frente à pastelaria que tinha sido dos pais do Marcelinho. Três metros, o eterno porteiro Aílton na porta, grande, calvo, com bigodão. Já tinha parado de nos perseguir quando crescemos.

Botão 13. Saia do elevador, vire à esquerda duas vezes. Não olhe para trás, de modo a não ver o infinito corredor que bem poderia ter servido para as gravações do seriado de TV "Agente 86". Campainha do 1346, logo alguém abria a porta, geralmente sem ser o próprio Fred, dono da casa. Era o quartel general da nossa turma.

À mesa, todos reunidos: Ricardinho, Luiz Octávio, Jorge Pinto, Marco Antônio, Gustavo de Caux e o próprio Fred. Abraços fraternos em todos, chego na segunda rodada de mau mau. Coca-cola na mesa, sorrisos, os amigos da juventude. Sete, compre duas cartas. Nove, inverta a ordem e um jogador compra. Pontos e pontos.

Em certo momento, prato, gilete e um sacolé de cocaína. Minha apreensão era sempre visível. Luiz Octávio já quebrava o gelo dizendo que ninguém deveria me passar o pó, porque eu acabava com tudo - na verdade, o jeito dele me proteger. Na verdade, somente ele e Fred no serviço. O resto não era daquilo, na verdade nem eles mesmos, por mais que os olhos esbugalhados e as narinas avermelhadas quisessem falar de uma satisfação momentânea.

Foram muitos bifes de fígado, tardes de risos, discos, pequenas tristezas e sacolés de cocaína. Mas esse detalhe junkie é pequeno diante de uma história que começara dez anos antes daquele 1988, continuaria com idas e vindas pelos vinte anos seguintes, não cerraria as portas nem com a morte de alguns de seus protagonistas e vive até hoje de algum jeito peculiar.

A casa de Fred era nossa universidade de vida, fraternidade, distúrbios e convivência."

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