na primeira noite depois do dia dos mortos a capital dorme. as luzes piscam nos morros e parecem estrelas cadentes para abonados usuários de avião, prestes a aterrissar no aeroporto à beira d'água. debaixo de marquises caras, transeuntes sem rumo dormem. usam drogas mortais. fazem sexo. sofrem. e dormem. na avenida litorânea as lindas putas buscam o dinheiro do aluguel - elas ainda não dormem. num leito de morte do hospital público central, o paciente terminal dorme, ao contrário do berçário onde minúsculos bebês choram e nem imaginam a rudeza do caminho que virá. a capital já não tem o asfalto entupido por pneus e ruidosos automóveis. o metrô nem parece uma caixa de carne humana moída, amassada no ir e vir do fim do expediente. na praça sete, o mendigo dorme. no estácio de sá, os meninos malandros magrinhos espiam as jovens de seios fartos, bumbuns e coxas carnavalescas: ninguém dorme. na prado júnior, o caminhante é impisa, o lobo que nunca dorme. nas gares, nos terminais, na central do brasil os trens preparam-se para breve sonho. o vizinho pensa na jovem vizinha nua, ou na mulher eternamente distante. crianças adormecem pensando na manhã de escola. nem é meia noite e a capital, acolhedora e hostil, dá indícios de sono. o amor também adormece. resta a crueza chamada solidão, livre.
@pauloandel
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