1
Você
olha a beleza do mar do Vidigal a São Conrado. Por um instante, ela faz
esquecer as mazelas: a injustiça, a dor, o desespero, a escrotidão. A favela
com classe, o verde que deslumbra. No ponto, entra um senhor lentamente e
alguém logo lhe oferece assento no ônibus. Agradece, diz que não é necessário.
Percebe-se que é cego.
Estava
em busca do pão. Bem devagar, esgueira-se pelo corredor cheio e começa a
distribuir pequenos papeizinhos onde pende ajuda financeira. Trata-se de uma
cena comum nesse mundo de merda onde o egoísmo se traveste de capitalismo, mas
o que chama mais atenção é que o senhor cego estava completamente sozinho – em geral,
os pedintes portadores de necessidades tem alguém a ajudar-lhes na tarefa.
Nada. um homem sozinho, esgueirando-se entre gente, certeiramente chegando
perto das mãos das pessoas e lhes dando um bilhetinho de ajuda que não devia
ter mais do que qutro centímetros.
Poucos
falam no ônibus. O cego distribui os papéis. Até na hora mais difícil para uma
pessoa, que é ter que sucumbir diante do dinheiro e pedir a terceiros, sua
tarefa é dificultada. Numa das mãos ele carrega os papeizinhos; na outra os
pequenos trocados. Penso na dificuldade de sua luta solitária. O jogo de
mergulhar no escuro tão bem descrito ali: o senhor que não enxerga, os papéis
que podem ser perdidos ou ignorados pelos mais rústicos, até mesmo o dinheiro.
À ESQUERDA, a beleza infinita do Joá e o Costa Brava, Ao centro, o Brasil que
ainda sofre enquanto moderninhos de merda chamam isso de assistencialismo. O que
se faz com as centenas de milhares de pessoas que não são amparadas pelo Estado
e, claro, tratadas como lixo pelo mercado? Ao fazer essa pergunta, geralmente o
interlocutor recebe de volta um silêncio cínico que, audível, é traduzido pela
chula expressão “fodam-se”.
Alguns
sorriem porque a placa avisa quando você está na Barra. Os mais informados se
entristecem ao lembrarem-se da linda Patrícia Amieiro. No primeiro ponto, o
senhor cego salta. Conseguiu alguns bons trocados, terá direito a um pão
enquanto a luta infinita não recomeça num novo ringue da vida. Devagar do
começo ao fim, ele ensina que não se deve desistir nem quando tudo parece
perdido. Tudo dança.
2
Poucos
metros adiante, o sinal fecha perto do famoso e decano condomínio Riviera Del
Fiori. Um menininho negro magro, magro e muito pequeno com suas bolinhas
fazendo malabarismo. Era tão pequeno que mal conseguia alcançar as janelas dos
carros para pedir ajuda aos irritados motoristas que o queriam fora daquele
sinal, daquela avenida e até mesmo fora do planeta. Pequeno demais diante dos
grandes gigantes de concreto e moradores abastados. Pequeno demais o garoto e
longe demais de seu destino merecido: escola, comida, carinho, brinquedos, tudo
perdido diante da solidão de uma avenida da Beverly Hills carioca e sua
cafonália. Entre os carros, um Brasil que ainda sofre no almoço e sonha com o
jantar, enquanto a vida ali parece tão injusta, insana e sinceramente tremo
quando alguns de meus companheiros de faculdade
- muitos, beneficiados pela escola e dinheiro públicos – defendem a
volta de velhos valores piorados, capazes de tornar o sofrimento daquele
menininho pequeno, magro e negro uma escravidão a se perder pelos novos
séculos.
3
Fim
de dia, a bela praia de Botafogo, Pão de Açúcar ao fundo, belezas incontáveis
desde séculos atrás, um rapaz solitário sentado no pé da trave esquerda á
esquerda de quem olha a praia de frente. Um silêncio dos céus, um desenho de
avião contornando, calçadas vazias, um Rio de Janeiro com vestes de outono e
certa tristeza que alimenta o melhor da bossa nova, uma melancolia que não tem
fim. O Rio é lindo, a vida é triste, só nos resta seguir em frente sem direção
certa e sequer a menor ideia de onde isso tudo vai parar – se é que haverá
parada.
@pauloandel
No comments:
Post a Comment