Quando Matheus acordou no domingo de manhã, sua namorada Safira tinha uma pressa enorme para chegar ao trabalho. Banho tomado, correria, beijaram-se, ela se despediu e tomou um táxi no adormecido coração da cidade para Copacabana.
Ele voltou a se deitar, cansado mas sem sono, dolorido pela noite anterior mas atento. Ligou o aparelho de música, ouviu discos de soul e jazz.
Por volta das dez da manhã, sem compras feitas, resolveu tomar café numa lanchonete da esquina. Ao descer do elevador, João, o porteiro, avisou-lhe que seu irmão, Pedro, havia passado na portaria horas antes. Perguntou por Gílson, o antigo funcionário do prédio que pediu demissão no ano anterior. E também por Matheus.
Como Pedro tinha sinais de embriaguez, João preferiu não incomodar Matheus no interfone e disse que o morador havia saído. Por conta própria, resolveu a seu modo, tentando poupar o condômino.
Não sabia da besteira que cometeu.
Há cinco anos que Matheus e Pedro não se viram e sequer trocaram uma palavra. O irmão foi embora de casa alegando ter engravidado uma namorada e que ia morar com ela, tudo subitamente, talvez uma desculpa para querer ter uma vida livre, sem satisfações nem cobranças no apartamento em que os dois residiam após a morte dos pais - Matheus sempre foi contra violência e drogas - ninguém abandona um irmão apenas porque se tornará pai. Simplesmente Pedro pegou suas coisas de um dia para o outro, não deixou telefone nem endereço, nunca mais deu notícias. Matheus respeitou sua vontade, mesmo em completa discordância. Os dois são os únicos parentes próximos vivos da família. Perderam todo o contato. Matheus, mais velho, passou noites e noite temendo pela vida do irmão, que estivesse em más companhias ou numa vida vertiginosa. Chorou e sofreu.
Cinco anos depois, alcoolizado e provavelmente vindo da Lapa, a boemia próxima à casa de Matheus, Pedro pode ter tido apenas um lapso. Uma doideira. Talvez a noite virada e o álcool lhe fornecessem a coragem para lidar com uma ferida aberta, dolorosa e desnecessária de sua vida. Talvez fosse a grande chance de Matheus rever o irmão querido. Mas não aconteceu: em nome da ordem, João fez o que lhe parecia certo. Não era.
Matheus, educadamente, pediu ao porteiro para que, numa próxima oportunidade, não deixasse de interfonar de forma alguma. Saiu do prédio, foi à lanchonete, comeu um misto quente sem o prazer devido. Resolveu voltar para casa. Pensou em Pedro e chorou. A tristeza e o temor, sem exagero, de que pudesse ter se tornado um dependente químico. A alegria de saber que, anos depois, o irmão está vivo e caminha com suas próprias pernas, mesmo trôpegas.
Matheus chorou. Não culpou João. A vida é assim: um intervalo para sonhar enquanto uma dor rói a alma. E a esperança de que o talvez não se torne o nunca. O quarto semiescuro e o teto que parece sem estrelas são seus confidentes. O ventilador ligado lhe dá ar gelado e sinistro. Há um silêncio e um vazio enormes.
@pauloandel
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