Qual
rua não a adota? Casa, paço, alameda, ciudad,
calle? Acordamos, vivemos, dormimos e lá está a danada da hipocrisia. Nos
discursos de ordem e progresso em defesa da grande pátria, escoram-se rastros
de hipocrisia. Ou então os falsos moralistas que adoram criticar o
comportamento alheio enquanto escondem toda sua podridão, lá está a fortalecida
hipocrisia. O caso de agora vivido nas manchetes pelo Fluminense é um exercício
completo de hipocrisia plena: jornalistas cínicos omitem a verdade, distorcem,
subvertem e entorpecem a opinião pública, muito menos do fizeram diante do
inacreditável caso Bruno. Quando Cuba constrói seu porto, os hipócritas vociferam e apregoam o fim do comunismo com ridicularização incompatível; são os mesmos que
defendem o liberalismo e incomodam-se com a alta dos preços em cidades como Rio
de Janeiro e São Paulo – liberalismo pleno, desde que tenham seus bolsos cheios
e o resto-que-se-foda - o nome disso é hipocrisia. Eduardo Coutinho, brilhante cineasta assassinado domingo
passado, era comunista: alguém teria condições morais de apontá-lo como idiota
por isso? A hipocrisia quer a fogueira para Woody Allen a respeito de um crime
que jamais foi comprovado, mas não move uma palha sobre a garota que acabou de
ser estuprada no Alto da Boa Vista, as garotas que são seviciadas diariamente
em comunidades ainda dominadas pelo tráfico carioca, as garotas que fazem
programa na avenida Atlântica e espalhadas em todos os puteiros. Quantos
jornalistas hipócritas não defenderam com veemência regimes prisionais mais
severos, até perpétuos, mas calaram-se diante do caso Pimenta Neves? Empresários
hipócritas sempre reclamam dos altos tributos, mas fogem da Receita Federal com
dois mil e um artifícios no limite da lei – às vezes, extrapolando-a. A
hipocrisia que marcou as discussões a respeito do beijo gay na televisão é um
marco da nossa estupidez contemporânea: há décadas, personagens homossexuais
estão (devidamente) incorporados ao cotidiano televisivo. Namoram, seduzem,
tudo acontece, por que então a celeuma em torno de um beijo? Um provincianismo
comovente, da mesma natureza que alimenta os intelectuais de orelha de livro,
ávidos pelas mais novas idiotices de Mainardi e Jabor, temperadas com
verborragia barata e palavras pinçadas para dar o tom professoral que os
arrogantes tanto apreciam. Para a hipocrisia comum, Chico Buarque, Caetano e Gil
são defensores da censura, com todo o ridículo daqueles que não têm acompanhado
suas trajetórias. A hipocrisia está de mãos dadas com a indiferença diante da
miséria, o desinteresse pelo próximo, a patética sede de poder. O amor que não
se declara. O ódio que se espalha. O primarismo da vitória que se traduz em
bens de consumo e cabeças ocas. O ter mais importante do que o ser. A
hipocrisia na intolerância religiosa e até mesmo na ausência de religião. A
hipocrisia em ser o que não se é ou não ser o que se realmente é. Ou a
hipocrisia da via única: um jornal, um canal de televisão, uma opinião, uma
escola de samba, um time. As ruas estão pintadas com a hipocrisia da ostentação
idiota, devidamente rejeitada pelos verdadeiros racionais. Cada vez mais temos
mais informação, computadores, meios de comunicação, velocidade e tudo se perde
no caminho porque não sabemos viver sem hipocrisia. Personagens politicamente
corretos sonegando impostos, furando fila, transferindo bens para terceiros, fingindo
que André Santos e Heverton são personagens de uma história com Papai Noel.
Você que me lê por ora considera-me um hipócrita e, nisso, fica deitada em berço
esplêndido a mais fina flor do que aqui propus tratar como simples hipocrisia. A covardia da covardia. Escrotidão e ironia. Que nostalgia fria?
@pauloandel
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