Monday, January 27, 2014

Lançamento do livro "Pagar o quê"?



"Posso ter acabado de voltar de uma heroica partida do Fluminense – ou mesmo desimportante, tanto faz, se é que existe algum jogo nosso que não tenha importância do ponto de vista de tabela –, tanto no Engenho de Dentro, quanto em Guilherme da Silveira ou em São Januário. Talvez tenhamos uma excelente participação nos cenários que nos abrigam por ora (nos anteriores mais recentes é um fato), mas tudo o que se diga será pouco diante da repetição incessante de conhecida frase, dotada de inteligência restrita e insuficiência histórica vascular, regularmente utilizada para tentar diminuir – em vão – o brilho tricolor numa grande conquista, uma vitória expressiva, um belo golaço (com todas as hipérboles aqui plausíveis) ou até mesmo a incontestável beleza das nossas milhares de mulheres empolgantes nas arquibancadas: “Paguem a Série B!”.

Chegamos ao segundo posto da Copa América anos atrás, realizamos duas façanhas quase inigualáveis nas lutas contra o descenso em 2008 e, principalmente, em 2009. Como biscoito fino, mais dois títulos brasileiros incontestáveis, quase um terceiro entre eles. O adversário, ciente das suas escassas possibilidades em diminuir uma trajetória vencedora, das mais pujantes nos últimos tempos, repete com o fervor que sugere um fundamentalismo religioso na afirmativa: “Paguem a Série B!”."

Saturday, January 25, 2014

eu sem você sem eu (taty)

passei aqui pra dizer
que sinistro eu gosto de você
e ninguém há de negar
o grão-futuro que vai te pertencer
passei aqui pra dizer
o que é simples de entender
e o resto, o resto
a longa estrada no horizonte
que ainda vamos percorrer
vidros quebrados, sentimentos estilhaçados
e tudo recomeça logo após o sol se pôr
a cada nova esquina alguém se lembra de um recado de amor
então vamos nós:
o sol a pino, a vida em riste, o mundo ao nosso lado
e nós tão sós
tão sós, sós

@pauloandel

Thursday, January 23, 2014

dos hermanos

1

oh, terras distantes e o meu coração flamejante
lateja insone, vazio, porque o teu coração vaga
sem rumo certo ou fronteira a desbravar alegre

dois irmãos, dois pensamentos marginais a sós
o céu do costa brava sem nossos bons retratos
cada cabeça, um furacão e recortes vis do amor

quando a minha mão encontrar a tua mão divina
e fizemos dos convescotes a lembrança de hoje
será sinal de que não somos mais simples uns

vamos ver a boa cor do mar e ela será tão vivída
que não nos restará orfandade alguma ou mísera
nosso amor será o perfeito som do caos, oh caos!

e nada do que já fomos antes terá qualquer razão
e nada do que pensamos antes será um futuro são
apenas a mão entrelaçada à mão e um silêncio nu


2

vamos ficar muito perdidos
e libertar nossos instintos
agora é um quando? onde?
que tal um chute no porém?
vamos fazer o que nos resta
enquanto o que não presta
nos cerca e ameaça tanto
quem sabe ficarmos na boa
pescando pessoas no mar?*


* Citação de "   ", Arnaldo Baptista, 1974

Wednesday, January 22, 2014

pequenas luzes da cidade

o topo do morto, meu mundo
em sépia morna à brisa fraca
o bairro sorri tão triste ao léu
pequenos mortos-vivos, caos
um paredón dos cabisbaixos
e a feia fumaça sobe sem cor
numa quina de rua perdida
a solidão das grandes cidades
esculpidas debaixo de viadutos
ou campos de concentração nus
nas calçadas, marquises, pisos
não há mais sol para todos os uns
não há mais fé para todos alguns
e o próximo feriado é higiene sã
para todos os que detestam ver
as pequenas luzes da tal cidade
como as estrebuchadas vísceras

 @pauloandel


Tuesday, January 14, 2014

adeus, verão

o nobre verão escaldante e suas estampas ou uma réstia de saudade
os garotos não jogam mais duplas
nenhum tango & cash, nenhuma trave derrubada à revelia
outros namorados trocam as mãos
e o céu de janeiro já deixou outros janeiros escorrendo feito areia fina
jovens putas nos bares, travestis a mil
o vaivém dos velhinhos no fim da tarde
ainda é tão quente mas o verão acabou
feito os olhos fechados de quem se foi
a última canção de um fogo de conselho
as garotas têm novos sorrisos e destinos
a luz da sala está apagada e o verão acabou
não teremos nunca mais a mesma estação
o verão sofreu e chorou:
contou seus últimos trocados e andou
solitário feito a dor de um mendigo
entorpecido feito um morto-vivo em crack
as pessoas parecem tão felizes
e esperam seus novos amores à luz
não perceberam o que está perdido:
o verão chorou, o verão acabou.

@pauloandel

Saturday, January 11, 2014

calor

doze sóis num só para um verão de felizes. doze mil graus, uma cidade febril e fulgurantes manchetes mentirosas enganando a ingenuidade. os bares, as cores, os corpos e o ir e vir no vaivém. todos querem carnaval, alguns querem mansidão e eu quero ir-me embora, dar o fora mesmo que ninguém venha comigo. o brasil virou um verão enquanto os degolados nas penitenciárias são coisa normal. danar o outro é algo natural. todo mundo quase sabe com quem está falando. basta assassinarem o fluminense e tudo parecerá normal, tanto quanto a feia hipocrisia que tomou milhões de rostos neste sábado de janeiro sem par. um garoto caiu da janela em são paulo e ninguém liga. amarildo foi embora e ninguém diz mais nada. a violência é tão fascinante para os imbecis, a hipocrisia é tão confortável para os medíocres e miles davis ok ao vivo na europa é um sinal da música que agora mora tão longe, longe. este sábado não comporta um prêmio de loteria nem vai ter sinal de amor. o calor das ruas e a vida longe, engarrafada na contramão.

Sunday, January 05, 2014

nós, nós

1

então passou domingo
de outro ano tão feliz
e meu outro eu, porém
pensando tanto noutro
você, você, vazio pleno
sobre a história que não
foi dividida ou aquela
lembrança que já não me
arrepia mas ainda insurge
contra o óbvio, evidente
óbvio que não faz graça
da vida como seria devido
então passou domingo en sol
caetano faz cinema falado
com seus poemas de outrora
e penso a esmo porque você
fica assim tão longe de você
e isso mesmo faz de mim um si:
estamos tão longe que nem
o fim parece a próxima estrada

2

o homem velho e seus versos
sua praia deserta, calor e jazz
o mundo não espera a próxima
parada, o próximo capítulo
e qualquer estalar de dedos
pode ser o fim do mundo cruel
o homem velho e seus livros
histórias de cor e pele urbanas
pode ser o meio do mundo fugaz
o homem velho e seu amor em vão
longe das mãos, perto do adeus
outros versos, outras palavras
e nada que sugira conforto sincero
diante da imensidão azul do caos
o homem velho e sua cidade
a pátria de muitas pátrias mães
gentis enquanto a vida navega -
frias quando ela diz tchau e cerra

@pauloandel

Wednesday, January 01, 2014

cedo/ cor

1

o verão que se faz flor agora
tão cedo
corações civis mergulham n'água
despudoradamente
enquanto o posto seis é um cartório
a registrar seus amores de orla:
tênues, livres, definitivos, uma ocasião
há quem fale de calor, volúpia, bens
mas eles só querem amar
querem apenas um instante que valha
por mil
o verão nasceu tão cedo
e os corpos nus procuram suas paixões
em qualquer lugar onde haja céu e cor
os seres vivos derramando amor
adeus, rancor e drama!
corações a mil caçando cama

2

o fim do amor tem cor?
quem disse que o luto tem cor?
uma ilusão a ausência caber numa
aquarela
assim como a cor do amor que sequer nasceu
e foi sufocado, um natimorto à crista
o descaso não tem cor
a solidão não tem cor
tudo é o que fazemos por mera satisfação à cobrança das retinas
impor as cores às dores e ao feliz
num mundo branco e preto e gris
ouro, cobalto e véu, grená e violeta
o amor não tem cor
ele é coisa de muito além

3

quando você me convidar
para nos jogarmos no mundo
eu te abraço como se estivéssemos
em queda livre, salvos
pela perícia do para-quedas
e não solto nunca mais
mesmo quando estivermos sãos
e salvos com pés em terra firme
quando você me convidar
eu vou, eu vou, eu vou
só para entender o porque, o talvez
da imensidão do meu amor sem cor
que floresce à tua pele

@pauloandel