Thursday, October 31, 2013

poetas de calçada

os poetas de calçada
e as ruas desertas, frias
como um feriado
cinza a se avizinhar
a vida é o escorrer
dos sonhos roubados
lembranças do choro
numa flauta, um violão
os acordes em procissão -
pacíficos mendigos
esmolando o presente vil
garotas que sofrem
o descobrir do desamor -
a vida em vigas e vãos
sem cor de contradição
exceto por um corpo santo
que se nega a dizer amém -
o coração da cidade é manso
os homens sem paz de espírito
e um santo perdido no mito
renega seu amém sem ter
sentido, fuga ou réquiem

@pauloandel

Tuesday, October 29, 2013

Só dez por cento é mentira

um dos
maiores poetas
da língua
portuguesa

como você nunca
viu

ou leu


Wednesday, October 23, 2013

os eus

eu e meus eus:
tudo cheira a porém
algo suscita o imprevisível
e alguma coisa
amedronta


eu e meu meu sufoco
eu e minha solidão
enquanto o mundo me namora -
com suas infalíveis

controvérsias

eu e alguém
eu e ninguém
eu e o outro super-outro

super-longe bem ao lado:
o mesmo mantra

eu e um porém
tudo cheira a porém
o inevitável caminho limpo
que vai dar em caminho
algum - nenhum?


eu e meus eus
nenhuma conclusão duradoura
nenhuma previsão exacerbada
apenas início, trajeto e final:
o resto ninguém repara


@pauloandel

Pelé 73

Não há muitas palavras a dizer. As imagens ao fim deste texto são as melhores frases do que se quer demonstrar. 

Não quero julgar o homem ou a pessoa neste dia. Disso, a história se encarrega. Quem sou eu para julgar alguém? Apenas um humano defeituoso, embora tenha lá meus dois ou três humildes predicados. 

Todos nós somos muitas pessoas ao mesmo tempo. Meu mestre Oscar Niemeyer dizia que, se um homem tem 5% de qualidades, já está ótimo. Concordo. 

O Edson acertou muitos tiros n'água. Alguns por ingenuidade, outros por bola fora mesmo, da mesma maneira que fizeram muitos de seus detratores. Todos seres humanos e a vida escorre lá fora. 

Num mundo com esse, chegar aos 73 anos é uma vitória. E merece os parabéns pelo que fez pelo Brasil dentro dos gramados. 

Se falasse aqui de atitude política, Maradona e Sócrates dão de dez. Caszely. Afonsinho. 
Em outros temas, outros também.

Mas o caso agora é futebol. E nisso, gostando-se ou não, Pelé foi imbatível e é imortal. 

Messi merece todo respeito. Quem sabe Neymar?  

Mas não percamos tempo em procurar um melhor do mundo quando se trata de futebol. Ele já parou de jogar há 35 anos. E ninguém lhe fez sombra no campo. Nem fará.

Dentro das quatro linhas, Pelé foi o maior de todos - e bote maior em tempos de craques como Garrincha, Didi e muitos outros. 

Uma pequena estatística resume bem o cenário: ao consultar a lista dos maiores artilheiros do Santos F. C., você  verá Pepe, com 405 gols, Continho (370), Toninho Gueirreiro (263), Dorval (198), Pagão (159), Tite (151) e Del Vecchio (105). Somados, eles totalizam 1.651 gols. Direta ou indiretamente, Pelé pode ter sido o responsável por cerca de 800 ou 900 passes para tais bolas na rede. Todos os cracaços aqui listados foram seus coadjuvantes de ataque. Não satisfeito, ainda fez 1.091 gols com a camisa da Vila.

Seleção Brasileira, Mundiais Interclubes, Libertadores, uma penca de títulos paulistas e artilharias, muitas artilharias. 

Ao lado de Garrincha, jogou 50 partidas pelo escrete canarinho. Jamais foi derrotado.

Você pode até não gostar de Pelé como pessoa, um belo direito, mas não reconhecer sua genialidade como jogador de futebol é de causar risos. Com ele em campo, o futebol foi mais bonito e feliz.

Um futebol que infelizmente já não mais existe. 

@pauloandel


Friday, October 18, 2013

Vinicius de Moraes, 100 anos

Ele foi o gênio, o gigante e o desafiador dos costumes.

Deu de ombros às convenções durante toda sua vida.

Do colossal poeta de versos melancólicos ao ensolarado letrista de música.

Do diplomata ao boêmio brindando a vida a cada instante.

Do simpatizante (inicial, ressalte-se) do fascio italiano ao comunismo honesto no CPC da UNE e da postura libertária em defesa de um país mergulhado em ditadura e tortura, indo às ruas e sendo perseguido pelo regime, exonerado inclusive.

Do pensador de pequenas tristezas ao amante incomparável que sempre teve jovens mulheres a seu lado. As jovens, oh!

O que dizer de sua ruptura com o mundo “convencional”, entregando-se aos orixás e paixões da Bahia?

Quando já era um poeta completo e consagrado, estalou os dedos e fez a música popular brasileira do avesso. O que antes soava como a mulher fatal, a adúltera, dos ambientes enfumaçados, virou a garota dourada do sol à beira-mar, com abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim.

Um carioca típico? Uma estátua de Ipanema (embora não tenha morado mais do que cinco anos no bairro, somadas todas as passagens)? Uma legenda da poesia? O paradigma do intelectual brasileiro, transigindo entre o erudito e o mais do que popular?

Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes. 

Muito mais do que isso tudo.

Num Olimpo de gigantes da arte do Brasil, lá está o velho Vinicius brilhando no céu feito a estrela solitária do Botafogo de seu coração.

Ainda me lembro do dia em que morreu. Começou o jornal das sete, tudo falava do nome dele, eu descobri que tinha morrido um poeta. Meu pai mudo, paralisado. Meia-hora depois, desci ao supermercado em frente de casa para comprar pão. Ao lado, um botequim. Silêncios e silêncios. A morte do poeta calou a cidade. E foi assim que o conheci: pela morte. Era 1980, eu tinha doze anos.

Depois o estudei, pesquisei, admirei e nunca vi tanta vida nas letras que derramou.

“É melhor ser alegre que ser triste/ Alegria é a melhor coisa que existe/ É assim como a luz no coração/ Mas pra fazer um samba com beleza/ É preciso um bocado de tristeza/ É preciso um bocado de tristeza/ Senão, não se faz um samba não.”

Agora, cem anos de Vinícius de Moraes.

“Eu possa me dizer do amor (que tive):/ Que não seja imortal, posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure.”

Em nenhuma das intermináveis noites regadas a drinques, risos e generosidades femininas, Vinicius deve ter imaginado que, trinta e três anos depois de sua morte - e no aniversário de cem anos -, seria tão vivo e presente, mesmo numa cidade e num país que, às vezes, parecem rumar ao individualismo e à indiferença maiores. Contudo, nem tudo está perdido.

Ainda não.

Vinicius nasceu em agosto de 1913. Rubem Braga no mesmo ano, em janeiro.

E ainda dizem que 13 é número de azar.

A sorte do Brasil ainda sorri.

“O amigo: um ser que a vida não explica/ Que só se vai ao ver outro nascer/ E o espelho de minha alma multiplica...”

Ave poeta! Saravá!


@pauloandel

Wednesday, October 16, 2013

Falcão, 60 anos


Quando comecei a jogar minhas peladas na praia de Copacabana, às vezes era zagueiro e, em outras, volante: não essa coisa medonha de cabeça-de-área de hoje em dia. Falava-se estritamente em volante. 

Pois bem: meu grande ídolo era Edinho, craque do Fluminense e da seleção brasileira. No Flu, usava a camisa 5 e adotei-a pra mim. 

Também jogávamos na "vila", na verdade a rua Tenreiro Aranha, sepultada anos depois pela modernidade do metrô Siqueira Campos.

Edinho, sempre, e também Falcão. 

Além de cracaço, ainda tinha o meu nome e era um dos inúmeros botões que eu tinha no meu time, todos comprados com o dinheiro sacrificado da minha inesquecível mãe Maria de Lourdes. 

Não me saía da cabeça aquela tabelinha que resultou num gol de placa contra o Atlético Mineiro, 1976.

Depois, Falcão foi para a Itália, virou o Rei de Roma e era craque titular em qualquer seleção feita por dez entre dez comentaristas.

A Copa da Espanha, aquele golaço contra a Itália, tudo em vão. Eu não chorei: achei que ganharíamos em 1986. Nunca mais aconteceria.

Por ocasião da despedida do goleiro Raul Plassmann, houve um amistoso no Maracanã com a presença de vários craques do futebol brasileiro. Como sempre, a imprensa louvava Zico - e tinha certa razão, descontadas as hipérboles. Eu fui para ver Falcão. E tome talento no meio-campo: passes, viradas, lançamentos, elegância. Sempre me deu a impressão que jogava mais recuado simplesmente porque queria: poderia ter sido um camisa 10 de qualquer time.

Anos depois, ele quase veio para o meu Flu. Não deu certo, encerrou carreira no São Paulo, o jogo de sua estreia foi justamente num amistoso nas Laranjeiras.

Os mais jovens talvez pensem apenas em Paulo Roberto Falcão como comentarista de futebol ou treinador sem maiores repercussões, ainda que também tenha passado pela seleção brasileira no cargo e, com isso, tenha sido um dos poucos a conseguir a proeza de vestir a amarelinha dentro das quatro linhas e à beira do campo.

Eu não.

O Falcão da minha lembrança é o craque de andar elegante e passes de sinuca, um dos maiores injustiçados da história do futebol por conta do Sarriá, mas não menos brilhante por isso. Os colorados do meu tempo foram felizes demais!

Um dos craques que me fez gostar de futebol para sempre.

Diria João Saldanha, "um monstro". Disse, aliás.

Por um instante, tudo o que eu queria era voltar ao velho e pequeno apartamento da Siqueira Campos, minha mãe fazendo algum lanche delicioso, meu pai resmungando, o jogo na televisão com Bombril nas pontas da antena e alguém narrando feliz na TV algo como "Lá vai Falcão com a bola dominada". Trinta anos depois, as imagens estão intactas nas minhas lembranças. 

Bola dominada? Mera redundância.

Craque, craque, mil vezes craque. 

O que dizer de quem apoiou Mário Quintana sem par no momento mais difícil da vida do poeta?

@pauloandel



Tuesday, October 15, 2013

teu preciso

eu não preciso
da tua voz
para namorar teu canto
eu não preciso
da tua tez
para querer-te pele
não há confronto
e nem espanto:
debaixo do sol
o teu melhor sorriso
na mão, uma flor
e palavras fugidias -
afeto, carícia e canção -
eu não preciso do teu lado
para ver-te em mim
o que eu quero
e você quase não pode
o que você pensa
e jamais decifro em sim
eu não preciso ver teu olhar
para adorar-te em si
o que eu te penso e quero
onde você viaja e dorme
o que te faz poema
ainda persiste aqui
o que te faz tão linda
reside em meu jardim
você não precisa estar agora
onde navego amor:
meu mar é teu caminho -
a cidade festejou
e o que é mais certo
tem razão num simples sim:
eu não preciso ter você
para ter você dentro de mim

@pauloandel

Friday, October 11, 2013

xamã

ah, o mar
delicado e impetuoso -
quantas cinzas já tragou?
as mortes que não sei dizer
o mar dos maltratados
os sofridos e infelizes -
não é hora de falar à gente
bonita
o mar do sexo vil à beira
e nenhuma luz neon
não precisamos de rancores!
a vida já é triste demais!
o mar dos silêncios e saudade
meu xamã adormece o peito
como se fosse casa vazia -
por onde os sonhos moram?
ah, o mar do Imbuhy
e o vento sudoeste cativo
Eliane tem uma prenda
que jamais sucederá
o mar de Ipanema
o invencível mar do Leme
numa noite de cor e angústia:
nunca um sonho foi
tão perdido
nunca um sonho foi
tão perdido
enquanto um triste mendigo
faz do lixo a luta contra mortes
e nobres cavalheiros são tão
indiferentes
tão indiferentes
que alguém duvida serem gente
ah, o mar, a cidade nua
o bairro lindo e vulgar
um dia seremos apenas
nossas coisas do coração -
as coisas simples do coração:
o resto fenece nos versos
de uma nobre canção
ora, o mar: solidão!

 @pauloandel

Tuesday, October 08, 2013

horizonte

agora voo
longe
desse teu
mar

tanto quis caçar
voar rasante
subir e descer
que agora
estranho

meu horizonte
longe
desse teu

mar
tens certeza
de que vou
voltar?

não careço
nem mereces -
somos distância
vazio e poema -
indiferença crua
em pele macia

agora voo
longe
desse teu
mar

não chora
nem espanta:

sou copacabana
e o atlântico
quer me namorar:

oxalá!

@pauloandel

Wednesday, October 02, 2013

a cor do poema

quem tem razão sobre a cor do poema?
nada se pode dizer
onde está o âmago do poema - o retrato
o sorriso, a mansidão infinita
para decolar e aterrisar um poema?
ele está no hoje, o agora, o sempre
ecos de trajetos, idas e vindas, palavras
cruas, mornas, frias, fumegantes
a fazer do hoje a precisão
de um novo outro poema


@pauloandel