Tuesday, August 06, 2013

retrato do artista quando solo

era uma vez e outra vez
ou muitas histórias atrás
quando me deparei sozinho
pode ter sido na infância, na juventude
pode ter sido em qualquer compasso
e aconteceu muitas vezes
e aconteceu muitas vezes
nas noites silenciosas dos acampamentos
sucedeu que estive sozinho
mesmo que em momentos ligeiros
mesmo que na sala de casa
e meus pais discutiam algo fácil
mesmo que com a garota
mais bonita do mundo ao meu braço
sucedeu que estive sozinho
apesar dos muitos amigos na praia
nos bares, na faculdade, em shows de rock
em grandes jogos tricolores
houve uma ocasião em que olhei
para cada e toda parte
até concluir que na verdade estava
completamente sozinho
enfrentei perigos inúteis, riscos
tudo desprovido de algum senso
e quando comemorei superações
a solidão era o caminho
ah, os amores, os namoros
a volúpia indecifrável do sexo
quantas garotas deliciantes
meu prazer redivivo e, num súbito
o dever cumprido de alguém sozinho
fui um transeunte de grandes ruas
artérias das grandes capitais
observei os passageiros, os trabalhadores
em insaciáveis jornadas de volta às casas
o ir e vir dos transportes de massa
em todos eles a solidão parece ser
o retrato do inevitável destino
adulto, encarei os temores dolorosos
a cor da morte, viva e aterrorizante
meus pais mortos em casa
as cores do féretro estampadas
e as lágrimas do eu sozinho
tenho mergulhado em histórias
sentimentos estúpidos, inúteis
mas verdadeiros e pulsantes
mas eles apenas dormem
nos vagões solitários de um trem
imaginário à cabeça de um pobre
homem sozinho
meus amigos disseram adeus
em dias de azul infinito
e então chorávamos em capelas
quando eu olhava para o lado
e me via tão sozinho
não há perdição ou dor, nem derrota
trato apenas de uma constatação:
a inevitável viagem do homem
e seu caminho imprevisível
o homem e seu caminho a sós
são exercício de nenhuma fé
lado a lado, frente e verso, bastam-se
na condição de alguém sozinho
uma procissão, uma passeata
uma torcida apaixonada e fãs
à beira do palco ou à ribalta
gente a cântaros numa cidade
e me sinto tão sozinho
sendo moço velho casado
agora mergulho em versos
difusos, concretos, etéreos
e todos os sons em volta soam nada
e o silêncio se faz ordem unida
alguém recorda uma canção
alguém deseja o meu amor
e nada é capaz de tirar a minha condição
de bípede sofisticado sozinho
mais tarde vou namorar
e ver um filme, sorver um livro
serei carinhoso como sempre
mas estarei irremediavelmente
sozinho
do alto, o mundo é um precipício
mas também uma vista cristalina
pássaros cortam o infinito
entender o mundo é um desafio
e a vida é o resumo de surgir
crescer, amanhecer até um dia
em que se deva desacontecer
num calado que revela o fato:
mergulhar na surpresa
sozinho


@pauloandel

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