Tuesday, July 16, 2013

Gatas extraordinárias


1

Mal coloquei os pés na areia do Leme, depois de estacionarmos o carro, meu amigo Leo faz um gracejo e duas gatas alucinantes sul-americanas  - venezuelanas, chilenas, qualquer cousa - viraram para trás, sorriram, disseram algo ininteligível e não fizemos nada além de tomar o rumo do mar – agora eu sou um respeitável senhor e não posso ficar de namoricos pelas ruas – o Leo pode – o namoro é tudo. Então rimos, ficamos com o ego inflado por cerca de cinco segundos e tudo virou passado como deve ser.

A pedra do Leme, misteriosa, iluminada, provocante e escura. No térreo, casais namorando, gente olhando para o horizonte como se ali estivesse o fim do mundo, eu pensando em todas as coisas que não deveria ter dito ou escrito hoje e tantas vezes – claro que devia ter dito e escrito, seu idiota! - tudo tão inútil e lindo, seu idiota! – bobagens fascinantes que quase ninguém liga – o tempo jogado fora que jamais voltará – mas disse a verdade! – na verdade não mudaria uma vírgula que fosse! – o amor que não é escrito morre em palavras ao vento -, Leo rindo como sempre e caminhamos. Sempre rindo e sempre cantando, “Tradição” e pensei em Vanessa, que mora por ali.

Houve uma hora em que vimos uma assustadora e gigante pegada de um possível ET em Copacabana. Acontece que o bairro já tem extraterrestres demais, de modo que uma celebridade interplanetária poderia sentir-se incomodada com a concorrência – e, claro, não colocaria seu pezão ali.

Mais um cem metros, duas gatas extraordinárias – lindas coxas - fazem exercício físico na areia para futevôlei ou beach soccer. Demos uma espiada na quadra seguinte, era vôlei mesmo, claro que Caldeira reprovaria.

A praia do Leme era um silêncio de morte.

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Grandes estruturas de ferro à frente, caminhamos bem perto da orla para que pudéssemos passar, Rimos ao cogitar que algum casal taradão poderia transar ali tranquilamente pois não havia uma viv’alma além de nós e, mais além ainda, é algo bom para os casais: o desafio.

Acontece que a praia mudou. O pessoal já não transa à beira-mar como antigamente. Centenas de metros e nenhum nativo fumando maconha sequer. Ao longe, as luzes da orla e do Forte de Copacabana faziam sua própria Via Láctea – estrelas, estrelas, vizinhas do mar sereno e frio da noite. Todo mundo chama o antigo Meridién de Meridién mesmo, não vai mudar nunca.

Pensamos nos tempos em que éramos escoteiros – talvez sejamos escoteiros pelo resto da vida. Bivaque, jornada, céu aberto e mar sem fronteiras – fogo de conselho. Caminhar na areia é três vezes mais pesado do que em terra firme, tudo muito divertido. Começou a chover antes de chegarmos à bandeirinha de perigo no mar, típica para estrangeiros.

Metros adiantes, garotas suculentas no Balcony procurando clientes para sexo, a velha Help resiste arduamente. Algumas delas sempre provocam uma pergunta: “O que você está fazendo aqui?” – claro que podiam estar em lugares melhores, onde suas curvas e tesão fossem melhor apreciados, mas a vida não é justa, nunca foi e, por isso, tudo é um grande negócio onde hipocritamente as pessoas fingem não ter sentimentos.

3

Lentamente, voltamos para o fim do Leme, os aparelhos são confortáveis e divertidos para ginástica, porque nem tudo funciona direito na cidade? Fizemos algumas séries, falamos de mulheres – há coisa melhor? -, das coisas que não entendemos nelas – há coisa pior? -, até futebol, qualquer bobagem. Garotos jogando uma pelada na quadra redonda da praça.

Dez, vinte, trinta minutos, Katia nos liga pra conhecermos seu novo solar – fica num oásis de Copacabana, perto da Chacrinha, coisa de sonho – em cinco minutos estamos ai! – Leo, siga aquele carro! Aumente o volume do Van Halen!

Entramos na rua errada, subimos a ladeira, o segurança da cancela foi muito gentil, contornamos e havia um descidão. No meio, uma loura tipo Elizabeth Shue vinte anos mais nova me chama, pergunta algo, Leo parou o carro: - Vocês querem vaga, estou tirando o meu daqui?  - Dois mil obrigados? – Claro, por favor. Linda de morrer, ficamos embasbacados com sua educação e presteza – definitivamente não era uma mulher qualquer – era longe da casa de Katia, mas é claro que aceitamos, seria uma descortesia não fazê-lo.

Depois de estacionar, o possível namorado, marido, irmão ou pai – não descobrimos – foi bastante simpático. A garota subiu, ele pegou o carro para sair, conversou conosco com fidalguia e nos sentimos bem. Nunca mais veremos aquela linda mulher – mas o que importa? Tudo na vida é efêmero.

Descemos a ladeira.

Que garota linda! Por um segundo, até ocupou meu pensamento.

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A casa de Katia é nova, aconchegante e linda feito a anfitriã. O que podíamos fazer por lá? Rir. Não falamos de nada que nos entristecesse ou quase, mesmo que eu estivesse muito triste – e isso não tem importância. Telefonei para minha gata de chocolate e dei-lhe um beijo de boa noite. Depois, conversamos sobre negócios na sala. Vai dar tudo certo. Um suco de uva delicioso. Ficamos uma hora na prosa, depois todos tinham que dormir.

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Perto de meia noite, mais suco e salgados, agora na Cruz Vermelha. Eu e Leo continuamos não entendendo nada sobre o dia e a noite. Ora, vamos rir, é a única coisa que interessa! Dividimos grana, falamos de domingo, o que vem por aí, a desimportância do futuro por agora.

Dei um abraço no amigo, ele seguiu para outro lado, ainda cumprimentei os chapas no Vieira, o bar sendo lavado como poucas vezes vi.

Tristeza ao ver o morador de rua com suas mil bagagens na calçada enquanto chovia forte.

Garotos fumando maconha perto do posto de gasolina. Adilson simpático na portaria do prédio. Chegaram mensagens do e-mail, várias que não tinha lido e teria sido melhor não ler, tudo sem amor.

Um banho frio. 

Don Airey no velho Hammond, o Deep Purple firme no quarto. Só entende quem namora.

Tudo continua escuro, mas não é o céu do Leme, não é o fim do mundo e o que hoje parece desconforto amanhã à noite vira alívio. Um horizonte é apenas um horizonte e só. Apenas um quarto com luz apagada, som moderado, o teto de bom abrigo e uma noite para se dormir um pouco mal. Todos devíamos ter um botão off para os pensamentos, de modo que fossem desligados – ou mesmo deletados. Quem merece atenção além das gatas extraordinárias?

@pauloandel




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