Monday, June 10, 2013

Tetraedro


I

os comunistas um dia
vão ganhar tributo do mundo
não pelo que fracassou
mas pelo que poderia ter sido
nossas grandes cidades
metrópoles consolidadas
ávidas pelo pecado capital
na verdade estão perdidas:
têm aparência, ostentação
mas um vazio enorme
quando se pensa na maioria
que vive a chorar e ter dor
sem pão, sem casa ou água -
a vida não é uma vitrine
a vida não é uma bestial
estátua da falta de liberdade
a vida não se resume a Nova York -
e o que dizer de Miami?
um dia, os comunistas terão indulto
mas somente no dia em que percebermos
toda a nossa
solidão
perdição
inutilidade do teto ao chão

II

estou mastigando a mim mesmo
salivando, sorvendo
cada pedaço do meu maltratado
corpo e especialmente
o coração a bater e bater e bater
como se fosse um carro à pista
voando longe nas estradas
e você, minha gasolina
meu combustível, minha guia
mas acontece que eu não tenho
como reabastecer em posto -
você não existe, você não chora
e nem vive o que eu vivo aqui:
como te jogar para dentro do tanque?
então fico mastigando-me
até que venha a gastrite, a dor
o sufoco porque não tenho você -
não há médico que cure
nem receitas infalíveis
apenas um carro parado, inútil
uma tarde azul de outono
e um coração descompassado
descontrolado, mas tão louco
pra te ver – é só você querer.

III

deixa eu dizer que te amo?
que te penso e te quero?
deixa eu te dar um encanto
uma oferenda ou prece?
e se eu disser que você
mora em mim? Assim!
e se perigar de você querer
um bocadinho de mim?
deixa eu te levar aos céus?
com sabor de chantilly?
ou chocolate ou cereja?
e se você bailar nua
bem no meu ventre?
e se eu te beijar de cima
a baixo por um semestre
de vinte anos?
deixa eu te dizer das mulheres?
elas ficam perto de mim sim
mas amor é um somente -
aquele que eu procuro em cada boca
pensando ser a tua boca
o que eu namoro em todo colo
pensando no teu colo -
os meus amigos riem:
“você está em grande fase”
“deixa essa besteira pra lá”
“rapaz, são todas iguais”
e nada tira meu pensamento
do querer você – eu tento, tento
tento e pratico mas você
é a imagem do meu bel prazer

IV

grandes avenidas
enormes edifícios
multidões à solta
e uma pequenez d'alma
tamanha, livre
anúncios provocantes
máquinas do estado
poderosas corporações
e a solidão é o bastante
mortes, crimes, fracassos
de um sistema que já ruiu -
a verdade é morta
a mediocridade é tributo
e o mais ingênuo
está em quem não viu.

@pauloandel

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