Monday, April 15, 2013

15 dias loucos, 2 dias normais



I

As duas pessoas mais importantes da minha vida, meus pais, faleceram há pouco mais de cinco anos, num intervalo de menos de um ano e meio. Fui à lua duas vezes e voltei. Foram os piores momentos que já passei. Mas não cheguei a ficar quinze dias seguidos como agora, dormindo menos quatro horas de sono por noite, isso quando consegui. Mas entender o processo atual não exige muita sofisticação: terminei dois livros, terminei meu namoro de quatro anos, apaixonei-me (ou sempre estive) à toa, tive dois casos impublicáveis com garotas que nem imaginava, outras loucuras que não cabe publicar, dirijo um site com milhares de leitores e problemas idem, um sujeito que me roubou quase foi assassinado, o futebol que amo tem exigido cada vez mais dedicação física para viagens, sou um potencial consumidor de porcarias destruidoras da saúde e some-se à tudo isso minha eterna intolerância com o sofrimento das pessoas nas cidades, algumas delas na marquise do prédio onde moro e ploft – está formada a receita de um enfarto fulminante. Juntando tristeza, desamor, euforia, amizade, bons encontros, literatura, músicas, tudo vira uma receita de insônia sensacional. – O que é que você está fazendo aqui? – Será que não poderia dormir aqui? – Não. – Fica longe para eu voltar agora para casa! – E o que faz o seu carro estacionado aqui em frente? – Bye, bye, so long, farewell! Ou então abra o primeiro livro de Kerouac ao lado da cama no texto sobre Nova York que fala de Chinatown. Ou algum verso de Leminski ou o livro de Marighella que Luiz deu de presente. Então não vou falar de quinze dias loucos, mas apenas dois dias calmos, sexta e sábado, ambos sem tanta loucura assim e uma carga afetiva enorme.

Meu fim-de-semana passado começou quando fui bem-recebido por João Garcez para um jantar em sua casa, amigo querido e anfitrião. Horas a fio de boa conversa, a sociedade, o drama, o futebol, pizzas, sentimentos comuns, a certeza de um grande livro que estamos escrevendo juntos, uma da manhã saio da Tijuca, Luiz pega seu táxi para Jacarepaguá, eu volto para a Cruz Vermelha e penso numa noite de sono feliz e tranquila... em vão. Então é acordar, acertar textos, preparar, escrever livro, responder mensagens, atender ligações, conciliar tudo com o corpo cansado, pensamentos perdidos e a necessidade de produzir sem sentimentos.

Você está cansado e pretende relaxar a mente? Entre no Odeon e veja “Django” de Tarantino às quatro da tarde, uma obra-prima onde o que não se faz é relaxar mente alguma enquanto a tela escorre política, segregação, violência, mortes e humor ácido. É um filme para se ver mais trinta vezes, tal como alguém fez em “Pulp Fiction” e nunca mais se recuperou por ter deixado Tatiana sozinha. Duas mulheres lindas e solteiras, presumivelmente heterossexuais, jovens, conversam perto da entrada e você percebe que uma delas foi sua ex-namorada de faculdade e não te reconhece – a recíproca não é verdadeira por causa de seios lindos de outros carnavais. Tarantino faz chorar e rir, pensar e viver, você sai rumo à Livraria Cultura, compra discos do Cure e do Tom Jobim, volta rapidamente, desce a Senador Dantas, o cheiro triste de azedume da rua deserta num sábado ao fim da tarde, belas turistas na porta do hotel loucas para atravessar a rua e cair no baile charme. Começa a chuva, quase ninguém na rua do Passeio, até que surge um bar aberto e Silvana está nele com seu sorriso de mil arquibancadas:  - Vou para uma festa na rua da Lapa. – Posso te levar, vamos. Feliz do homem que tem uma bela mulher a seu lado, nem que seja por cinco minutos de companhia. Então Silvana sobe linda para a festa num vestido que deve ter sido cinza, os céus apertam também em cinza, caminho naturalmente pela Lapa dos malandros protegendo os discos. Desaba um temporal, estou debaixo de uma marquise e o morador de rua é gentil a ponto de ceder espaço – quem menos tem a oferecer é sempre mais dedicado ao próximo, eis a estranheza da vida.

Trino telefona. Não estamos bem, vamos comer uma pizza e conversar um pouco no bar de sempre. Perdemos anos das nossas vidas oferecendo amor a mulheres e Cazuza dizia: “amar é abanar o rabo”. Nada mais preciso. Queremos falar de amor e mágoa, um flamenguista arrogante e chato de doer fica gritando para se pagar a série B e é claro que o ridicularizarei no lançamento. Janjão e Passarinho são nossos parceiros queridos, divertidos, brincalhões, é outra coisa. Uma, duas horas, uma boa pizza, quase nenhuma cerveja, dez horas da noite de sábado, os jovens vão para as ruas em busca do prazer, eu penso em voltar para casa. Trino vai embora.

Epocler telefona. Chama-se Rafael, mas é possível que só sua esposa o chame assim. Pensei que fosse algum problema. – Cara, venha para cá, estou com as gatas alucinantes aqui. Pat e Wal, Pat é Pepsi, um dia me apaixonei por ela ao vê-la numa fotografia, quase do mesmo jeito da bailarina de anos depois. Aquelas gatas alucinantes e suas histórias, seus amigos hipsters, suas festas muito loucas onde até caras quadrados como eu divertiam-se a valer. Estava completamente extenuado, dentro de casa, fiz o que me cabia: tomei um banho, roupas novas, táxi novo e a rua Barão de Iguatemi no coração. Todos nos conhecemos por meio de meu querido e inesquecível amigo Xuru, hoje exilado para sempre por causa de um maldito câncer.

Então chego ao bar marcado, sou recebido como um herói, Epocler é casado com Ana, ela é linda e divertidíssima e fala como se fosse uma garota ainda mais jovem do que é, conversamos mil coisas, recordamos nossos momentos divertidos ou mesmo uma fofoca qualquer, Lys está com sua filha e continua linda. Recebo um soco à mente quando revejo Chris “Nunes” – dia desses mesmo estávamos num show dos nordestinos na Barra, já escorreram treze ou catorze anos. E não bastasse esse cenário todo, eu mal desconfiava que meus amigos corjas estavam no bar ao lado: um súbito, a ribalta é ocupada por Bruno, Breno, Rodrigo, todos amigos amados e admirados, não consigo vê-los juntos em nenhum lugar porque sou um chato anti-formalista, não frequento festas, todos estão casados, felizes, com filhos e eu perco meu tempo com paixões à toa. Todo aquele pessoal junto me lembrou de admiráveis festas de ano novo no começo do século, quanto todos tínhamos o futuro a milhas e milhas de distância. Então Pepsi continuou com seu sorriso lindo, Wal com seu charme inigualável, as duas amam Henrique, eu reconheço que é difícil competir com ele, Epocler é muito engraçado e fala besteiras deliciosas, descontado algum odor inevitável não reconhecido pela organização terrorista promotora. Em duas ou três horas, bebemos nossas cervejas, celebramos a vida, os tempos do grêmio, o Sasso, tantos bares da cidade, eu até esqueci da minha tristeza por uns tempos, o cansaço também, uma saideira virou outra saideira e mais várias saideiras, a simpática dona do bar queria nos trancafiar lá dentro e ir embora. E como foi bom ver tantas pessoas amadas num espaço tão pequeno, todas ao mesmo tempo, o que eu não fazia há muitos e muitos anos. Rodrigo relembrou que homem que é homem de verdade não pega AIDS - tomem isso com humor. Rimos e fomos felizes de alguma forma, pegamos chuva na Iguatemi, ficamos adolescentes em segundos, prometemos repetir tudo logo, trocamos beijos, fizemos a vida valer a pena fora dos escritórios respeitáveis e do cotidiano certinho asqueroso.

Pepsi nos deixou na Praça da Bandeira. Dei-lhe um beijo e sorri. Ela é sempre a mesma e isso é ótimo.

II

Ainda fizemos a última parada no Galeto Bandeira. Morri de rir quando Ana ficou inconformada com a minha idade. Puxei a minha carteira de identidade e consegui convencê-la. Numa semana em que fui jocosamente chamado de “Bruce Willis gordo”, bom saber que ainda engano as jovens. Pedimos um galeto, poucos chopes. Deixei o casal num táxi na praça, tomei o seguinte e voltei a ser um viajante solitário na madrugada do Rio.

Ah, se o Xuru estivesse vivo, é claro que teríamos atravessado a praça em direção à rua Ceará.

Eu estou vivo e não quero voltar lá para chorar o meu amor, feito semana passada.

III

E tudo isso só foi possível porque um dia todos nós tivemos um amigo chamado Xuru.

IV

Cheguei em casa às três da manhã, tomei um banho frio, pensei nos amigos queridos, resolvi que ia escrever para uma garota que considero a mais bonita do mundo. Apenas para lhe dizer que ela é muito importante para mim. Bom, não se faz isso com ninguém às três da manhã, menos ainda eu mexer em internet numa madrugada, mas aconteceu. Mereço desconto porque estava alucinado, ora. Então aconteceram duas surpresas nada convencionais: a mesma garota que me chamou outro dia de “Bruce Willis gordo” perguntou se eu tinha alguma programação para domingo. Ao mesmo tempo, outra garota do passado escreveu coisas que nunca tinha me dito pessoalmente, de modo que não soube dizer num instante se era deboche ou sério. Afinal, três da manhã, eu muito louco, muito apaixonado, muito cansado, muito triste, muito eufórico ao ver os amigos, o cd dos Doobie Brothers tocando, as duas garotas escrevendo como viajantes solitárias na madrugada coisas que eu jamais esperava ler. Nesta hora, sem nenhum motivo aparente, fui feliz e conversei com uma delas até às cinco da manhã. Depois dormi mal, acordei às oito e a garota continuou muito importante, mesmo que eu não tenha importância alguma para ela. Então mandei a mensagem.

E tudo isso tem a ver com a memória do meu querido amigo Xuru. Ainda ouço sua risadinha engraçada e sagaz.

Hoje é segunda-feira. As mesas estão cheias de amigos.

Cheias, cheias.

@pauloandel

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