Tuesday, March 26, 2013

Monday, March 25, 2013

Onde?

where 
are
we now?




nenhuma
felicidade é 
tamanha a ponto
de disfarçar
qualquer incômodo
pela lembrança
da
morte




@pauloandel

Wednesday, March 20, 2013

A voz do Brasil





Que palavras podem descrever a voz do Brasil?

@pauloandel

Monday, March 18, 2013

Friday, March 15, 2013

Tim Maia 15/03/1998

Tempos passam rápido demais.

Contudo, os clássicos são eternos.

Tim Maia é um deles.

Inconformado com tiranias, dotado de uma ética peculiar, gigante da música brasileira, Tim continua entre nós.

Onde falam de um amor exagerado ou uma festa muito doida, lá está Tim.

Descobridor de todos os mares, desprovido de limites, engraçado, irônico, genial e triste.

Um artista completo.

Os quinze anos de sua ausência física, celebrados hoje, são nada diante da eternidade de sua arte.

Sempre. 

Thursday, March 14, 2013

Ginger & Fred, Claudia & eu



I

Agora o verão precisa se despedir, mas ainda mostra sua força. Dias de calor incessante, entrecortados pela breve chuviscada como a que vi quando voltei do almoço.

Olho para a tela do computador, escuto o CD de Miles Davis que toca rascante na sala branca e silenciosa.

Por um instante parece janeiro ou fevereiro de 1986. Não me pergunte a razão. 

II

Fred havia comprado um EP dos Smiths, capa amarelada, foto afetadíssima do escritor Truman Capote na capa. Naquele verão de muitas histórias atrás, passávamos a tarde em sua casa, ora vendo a sessão da TV, ora jogando cartas, escutando música ou bebendo “mellon juice”, como gostava de dizer o anfitrião. Uma sala confortável bem no alto de um prédio completamente Copacabana, rua Figueiredo Magalhães, vista reluzente do mar de gente que vai e vem tentando imprimir sentido à vida. Dona Magda, a mãe de Fred, trabalhava fora, de modo que o apartamento era nosso playground até meia-noite, imaginem! Entretanto, foram poucas as ilegalidades da época. Quero dizer, nem tanto.

III

A discoteca já tinha Iron Maiden, Kiss, AC/DC, mas o fato é que tínhamos lá nossa pluralidade: também se podia ouvir Genesis, os próprios Smiths, Level 42 e... Marina, Joana, Simone (essa parte da história fica para outra história). Uma vez Flavia trouxe Claudia e nossa vida mudou. Quem diria: para vê-la, Fred aceitava até ir a Botafogo, pegar o metrô e atravessar a cidade até a Tijuca, estação Saens Peña, as duas estudavam por lá, eu ia também. Então conversávamos e brincávamos e éramos felizes. E foi com Claudia que Fred passou a ouvir mais música pesada, muito além do heavy metal convencional, o que lhe deu o querido apelido de Mercyful – oh, agora vejo Luiz Magno entrando pela sala, gritando algum excelente impropério constrangedor para as meninas, falando de algum grande baixista tal como ele mesmo era, vociferando contra o amor e tecendo loas ao sexo pago, tudo enquanto Renatinha não surgia. Também vejo Jorge resmungando algo consideravelmente engraçado, Marco com cara de assustado e Ricardinho sonolento. Gustavo trazia todos os discos do mundo e alguém fazia piada com suas histórias hiperbólicas e maravilhosas. Onde estão Luiz Magno e Fred, deus de alguém?

IV

Era bom ver Claudia sempre com seus olhos brilhantes, apaixonantes, algo que Glauber Rocha chamou certa vez de “olhar de cobra verde”, com toda a doçura que talvez não esteja à vista nesta sentença – as melhores admirações são não evidentes à primeira letra. E suas camisetas pretas de banda, sempre esbelta, simpática, era bom vê-la gesticulando e falando de músicas e cantores e bandas, assim como era bom ver Fred completamente hipnotizado com todo aquele cenário. Tempos depois, ele também comprou um contrabaixo. Eu começava meus dias de faculdade, mas fazia questão de sempre dar uma passadinha na casa só para ver o pessoal e depois rumar para Niterói, depois seria o Maracanã. Quando eu matava aulas, o endereço era certo. Posso dizer que a casa de Fred foi também a minha casa entre 1978 e 1992. Um dia, ele mudou de endereço, aquela magia se rompeu fisicamente, mas o coração jamais a esqueceu. Treze anos depois, num estalar de dedos, lá estávamos todos juntos de novo uma mesa da Cobal do Humaitá. Fred se assustou quando eu bebi três chopes: - Véio, pega leve. – Cara, foram apenas três chopes. – Tem que ir devagar.

IV

Nos dois dias mais difíceis de toda a minha vida, Fred estava comigo: quando enterrei minha mãe e meu pai, meus tesouros. Ambos tiveram funerais em dias de sol, assim como tinha sido com Xuru e pode ter sido com Luiz Magno, nosso querido irmão, tão jovem e tão distante daqui. Quando minha mãe faleceu, retomamos os velhos tempos como nunca: dois encontros semanais para conversa fiada, lanches no Rio Sul para recobrarmos a adolescência, CDs, livros, a vida em riste. Custo a crer que esse retorno do amigo, tão importante frente à minha ferida que jamais cicatrizará, tenha durado pouco mais de dois anos.

V

Certa noite de quarta-feira, entrei no Copa D’or para fazer uma visita ao Fred. Lá estava Dona Magda, sempre serena, mais Flavia e Claudia, ainda tão jovens, na mesma rua que um dia nos ofereceu os raios de sol da mocidade plena. Fred ria e tentava deitar, mas não conseguia por conta de uma dor nas costas. Jamais desconfiei que algo tão grave ia desembocar nos próximos dias. Numa hora, sem que ninguém soubesse, olhei para todos eles e voltei no tempo, a querida sala de estar naquele apartamento alto no coração da cidade Copacabana. Ingenuamente, pensei até que, quando ele saísse do hospital, poderíamos fazer as mesmas coisas de antes. Algo me veio à cabeça como se Claudia e Fred fossem Ginger Rogers e Fred Astaire sapateando e dançando por todos os musicais possíveis e imaginários, com ou sem chuva. A injustiça da vida me leva à outra sentença: show no mercy.




VI

Três ou quatro semanas depois, marcamos um chope na Cobal em tributo a Fred, falecido tão antes do justo e razoável. Claudia chegou toda de preto, gata todo dia, uma motocicleta possante que não sei descrever porque sou um ignorante, mas, mesmo assim, também capaz de admirar o belo que não posso explicar. Agora Marco tem um filho com a idade que nós tínhamos no tempo do suco de melão e do disco amarelado dos Smiths. Gustavo disse ter dado um esporro em Bono Vox, no que todos pusemos fé convicta. Jorge foi Jorge, Marco foi Marco, Ricardinho foi ícone eterno. Flavia não veio, uma pena. Anna Claudia também.

Isso faz quatro anos e, toda vez que eu vejo algo sobre Marillion, penso em Claudia. Basta ver alguma garota bonita de camiseta preta e sua banda de rock preferida no peito em qualquer bairro do Brasil, eu penso em Claudia. É só ver uma motoqueira audaciosa e sagaz cortando as ruas da cidade como uma heroína desejável e penso em Claudia. Meus olhos lacrimejam porque Fred não está mais aqui e eu penso em Claudia, tantas vezes quantas forem necessárias até que meu coração encontre uma improvável paz. Ginger e Fred, Claudia e Fred, eu e ela, todos os amigos, todos os pequenos momentos que, um dia, deram  - e dão - sentido ao melhor de nossas vidas. Eu penso em Fred.

@pauloandel

Wednesday, March 13, 2013

Sexo, mentiras e DVD


então
vamos fazer um amor
do tamanho do mundo
sem obstáculos nem reticências
amor sexy-hot à renascença
nenhuma fronteira
ou sinal de pecado
e quando o fim for
fim é porque tiramos onda
fomos cuidado
e o carinho dorme 
com todo cuidado
num travesseiro ao lado - 
copacabana refestelada
tijuca esmuiçada
gávea conquistada
a cidade é um mormaço
que enfeitiça a alma:
estácio, acalma os namoros
de ocasião em pedaços

@pauloandel



Friday, March 08, 2013

Dia das mulheres - 8 de março







O dia da mulher é todo dia. 

Todo instante.

Umas mais, outras menos, umas sempre, todas dignas de respeito e atenção.

Mas já que criaram um dia específico para tal, é preciso deixar aqui vários beijos.

O beijo de respeito. O de amor. O de compreensão. O de tesão. O de amizade. Tantos quanto forem necessários e adequados. 

E torcer para que esse mundo injusto ofereça ainda mais respeito às mulheres.

E que esse mesmo mundo não faça das mulheres simples objetos.

Mulher é tão bom que, às vezes, até penso em casar. Eu não presto mas sou legal, acho.

Amigas, amantes, companheiras, namoradas, musas inspiradoras, admirações secretas e distantes, admirações próximas e intensas, respeito.

Enquanto isso, vamos vivendo, aprendendo e tentando construir um cotidiano melhor.

Homens e mulheres. Seres humanos.

@pauloandel

Wednesday, March 06, 2013

Pobres e mortes


1

um dia seremos todos pobres
com nossos espíritos milionários
e acharemos tão estranha certa
ausência de mendigos sofridos
nenhuma criança será faminta
nem carregará chicletes à venda
um dia seremos todos pobres
respeitáveis, dignos e convictos:
será engano haver o homem rude
e rico com seus superpoderes
mais um caminhão de atritos
ninguém terá motivo em ostentar
a indiferença para com amigos
os camaradas aflitos num motivo - 
ninguém vai se eximir dos deveres
de abrigo ao próximo amigo, mesmo
que não seja tão amigo - perdido -
um dia seremos tão amáveis pobres
que nosso único grande tesouro
ha de ser a simplicidade do ser

2

estranho o povo mestiço
inteiro, num indo e vindo
em lágrimas pelas ruas
sobre a morte de seu amado
um ditador
a síndrome de estocolmo
não é o caso a se pensar
talvez as manchetes fartas
possam ter iludido sobre
um ditador
não pensamos sem respiro
todo instante é breve
mas permite o tempo bravio
para refletir
e navegar n'alma:
a quem interessa noutras
democracias a figura de
um ditador?
o "grande ditador" morreu
os humildes ofereceram luto
o abonados deram de ombros
e toda atenção é pouca:
a ditadura, na verdade,
imprime as letras eufóricas
saudando a verdadeira morte
de quem nunca foi
um ditador- a farsa maior

3

a paz não é pecado:
apenas ilusão
o respeito não é pecado:
apenas ilusão
a solidariedade
virou piada
num enriquecido
salão
e todos juntos de mãos dadas
celebrando uma grande
vitória
num reality show da
televisão


@pauloandel

Tuesday, March 05, 2013

("O outro") "Mensalão"...

Ou "Para você que me esqueceu, aquele abraço!"







A JUSTIÇA E O CAMINHO DA POLÍTICA

por Mauro Santayana


A Justiça, conforme o pensamento grego, se faz quando o tribunal  devolve à vítima o bem que lhe foi tomado, de forma a que as coisas voltem ao seu estado anterior. Devolver o bem tomado deve ser visto em sentido amplo: a justiça não trata apenas do furto ou roubo, mas, da mesma forma, da honra e, também, dos homicídios. Nesse sentido, a justiça não atua somente tendo em vista as duas partes de um processo, e, por isso mesmo, o Estado, em nome da sociedade, está presente. O assassino, por exemplo, não tem como devolver a vida ao morto, mas a sociedade, em nome do morto, pode condená-lo à morte (o que é sempre um risco de injustiça absoluta), onde há a pena capital, ou à prisão, por muito ou pouco tempo. 

Podemos, por exemplo, considerar uma injustiça contra o povo da Noruega e uma ofensa aos sentimentos universais, a condenação do nazista norueguês a apenas 21 anos de prisão em aposentos de boa hotelaria – mas a legislação penal de cada país é uma prerrogativa de seus parlamentares.

O Supremo Tribunal Federal se aproxima do final do julgamento da Ação 470. É certo que a decisão da Justiça não será aplaudida. Melhor teria sido que não tivesse havido o que houve. 
Podemos entender que os atos de que foram acusados os envolvidos no processo sempre se cometeram no país, e sempre foram tolerados, como infrações apenas eleitorais, ao serem considerados como de financiamento não contabilizado de campanhas políticas. Quando se examina o governo Lula, ao qual serviram muitos dos acusados de hoje, é difícil não aceitar seus êxitos. A simples eleição do trabalhador manual, de escassa escolaridade, nascido no sertão pernambucano, para a presidência da República, constituiu uma revolução social e política que não deve ser ignorada. A redução da pobreza secular do Brasil, da qual sempre se nutriu a classe dos opressores, bem nascidos e bem protegidos pelo Estado, é um fato histórico que será sempre lembrado, quando o julgamento da Ação 470 for apenas um registro nos feitos de nosso tribunal supremo, perdido entre tantos outros julgamentos de seu denso arquivo de trabalho.

Entendemos o sentimento de decepção de grande parte dos cidadãos brasileiros. Identificamos também a espúria origem da denúncia de Roberto Jefferson que, apanhado na teia menor da corrupção na empresa estatal dos correios, resolveu desafiar tudo e todos, com a confissão de que recebera 4 milhões dos 20 que – disse ele – lhe foram prometidos. A propósito, até hoje não se sabe exatamente o que Jefferson fez com tais – e tão pingues – recursos.

Como resumiu o Ministro Ayres Britto, presidente do STF, ao votar integralmente com o relator, nos casos examinados até agora, não é agradável condenar. A condenação tem o sabor dos frutos amargos.

Os cidadãos de bem tampouco exultam com as condenações. Como o sofrimento é o melhor mestre, temos que repensar a política em nosso país – e no mundo, onde o cenário tampouco é agradável, neste momento em que a paranóia se associa ao assalto dos grandes bancos aos recursos públicos e privados, e em que os paraísos fiscais são os refúgios dos grandes salafrários. Em nosso caso, a reforma do sistema partidário e eleitoral, de forma a dar mais legitimidade ao voto, é um dos passos exigidos. Uma medida necessária é mudar o acesso ao palanque eletrônico, de forma a impedir os acordos políticos que visam  obter mais tempo para esta ou aquela coligação. E aceitar o financiamento público das campanhas, que sempre será mais transparente. É melhor que a campanha volte às ruas, no debate entre os candidatos e os eleitores, sem a interferência dos especialistas em maquiar faces e idéias. 


Acusação e defesa

por Jânio de Freitas

Numerosas contestações pareceram muito mais convincentes do que as respectivas acusações.

Os advogados que até agora atuaram no julgamento do mensalão não merecem menos aplauso e defesa do que têm recebido, com fartura, o procurador-geral e acusador Roberto Gurgel. Não bastando que sua tarefa seja mais árdua, os defensores são alvos, digamos, de uma má vontade bem refletida na imprensa, por se contraporem à animosidade da opinião pública contra os seus clientes.

Ainda que não assegurem, necessariamente, a inocência de tal ou qual acusado, numerosas contestações pareceram muito mais convincentes, em pontos importantes, do que as respectivas acusações.

Na maioria desses casos, a defesa se mostrou mais apoiada do que a acusação em testemunhos e depoimentos tomados pelo inquérito, assim como em documentos e fatos provados ou comprováveis.

Com isso, outros pontos importantes da acusação estão ainda mais em aberto. É o caso, crucial, do mensalão como múltiplos pagamentos para assegurar votos ao governo na Câmara ou como dinheiro para gastos de campanha eleitoral.

A acusação não comprova a correspondência entre as quantias entregues a deputados e os votos na Câmara. Nem, sobretudo, a relação entre os pagamentos com valores tão diferentes e os votos que teriam o mesmo peso na contagem.

Não fica resolvida também, na acusação, a afirmada finalidade de compra de votos na Câmara e o dinheiro dado, por exemplo, aos leais deputados petistas Professor Luizinho e João Paulo Cunha, entre outros bem comportados aliados do governo também agraciados.

E houve, ainda, dinheiro destinado a seções partidárias estaduais, que nada tinham a ver com votações de interesse federal.

A afirmação de compra de votos, sustentada pelo procurador-geral Roberto Gurgel, foi tomada à CPI dos Correios por seu antecessor, Antonio Fernando de Souza, para formular a denúncia ao Supremo Tribunal Federal, há cinco anos.

A afirmação prevaleceu na CPI, porém, por conveniência política da oposição, e não porque os fatos apurados a comprovassem. Acertos de campanha eram muito mais coerentes com o constatado pela CPI. E já figuravam nas acusações de Roberto Jefferson, quando admitiu também haver recebido do PT, para o PTB e para candidatos petebistas.

Outro exemplo de afirmação fundamental e em aberto, porque construída de palavras e não de comprovações, está na acusação agora apresentada por Roberto Gurgel ao STF: "Foi José Dirceu quem idealizou o sistema ilícito de formação da base parlamentar de apoio ao governo mediante pagamento de vantagens indevidas" - e segue.

Seriam indispensáveis a indicação de como o procurador-geral soube da autoria e a comprovação de que José Dirceu "idealizou" o "sistema ilícito". Não só por se tratar de acusação com gravidade extrema.
Ocorre que o "sistema ilícito" foi aplicado já em 1998 por Marcos Valério, com suas agências de publicidade, e pelo Banco Rural para a frustrada reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas. Foi o chamado "mensalão do PSDB", descrito pela repórter Daniela Pinheiro, como já indicado aqui, na revista "piauí" deste mês.

Logo, para dar fundamento às palavras do procurador-geral Roberto Gurgel, só admitindo-se que José Dirceu "idealizou" tudo uns cinco anos antes do mensalão do PT. E, melhor ainda, que "idealizou" o "sistema ilícito" para beneficiar o PSDB de Eduardo Azeredo, hoje senador ainda peessedebista.

Os votos dos ministros do Supremo não suscitam expectativa só por carregarem consigo a absolvição e a condenação, mas pela maneira como encarem as divergências perturbadoras entre acusação e defesas.




Monday, March 04, 2013

Chico Science

Friday, March 01, 2013

Jack Kerouac - Cenas de Nova York











"Cenas de NovaYork", 1960





Rio de Janeiros





O Rio tem mazelas. E gente cruel, indiferente. Mas isso é pouco diante do grande cenário.

Ele, Rio, também tem cores e mar, admiráveis vielas de subúrbio, o caos apoteótico do rush entre Presidente Vargas e Rio Branco, o ir e vir dos baratos no Camelódromo.

O Rio tem a voz das ruas, com botequins incessantes e imperdíveis. Da Cruz Vermelha até Guaratiba, de Realengo até a Urca, do Leme ao Pontal com a devida imortalidade de Tim Maia.

Não, o Rio não é a escrotidão do egoísmo, a opressão do poder paralelo, o abandono e o descaso. Na verdade, o Rio é a criança humilde de mãos dadas com os pais num trem da Central. Ou dois garotos conversando perto do Divino, onde um dia o mesmo Tim, mais Benjor, Erasmo e Roberto escreveram linhas da história do Brasil.

O Rio é Tom Jobim martelando seu piano no Arpoador lotado ou cantando para meia-dúzia num teatrão da UERJ. É o samba de raiz pura, o jazz da Arlequim, o violão dos namorados no Engenho Novo. O velho Bloco das Piranhas comandado pelo inesquecível Moisés em Madureira. Grajaú, Andaraí, Vila Isabel. Humaitá, Botafogo e Jardim Botânico, o bairro dos ricos onde há botecos humílimos também e gente descompromissada com as convenções.

O Rio é o Maracanã sequestrado que, um dia, voltará às mãos do povo. O sambódromo lotado. As filas de cinema onde se pode ver tanto pastelões de Hollywood quanto os melhores alternativos argentinos e europeus. Ou iranianos.

O Rio é pop e funk e brega, mas quando precisa sabe ser mais Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção do que nunca. Ou Deep Purple, Iron Maiden e Charles Aznavour.

E Copacabana? Que cidade do mundo tem um bairro onde, dentro do elevador de um respeitável condomínio, um travesti e um general reformado debatem o último jogo do campeonato carioca? E onde dentro deste mesmo condomínio há apartamentos de três dois, um quarto ou quitinetes, tudo junto? Que cidade tem um bairro que abraça Braguinha, Dorival Caymmi e Fausto Fawcett ao mesmo tempo?

Nem falei de Ipanema, Leblon, Tijuca. É que não dava. Para entrar no assunto é preciso escrever um livro a respeito. Quem se lembra do verão da lata?

Por um dia, danem-se as mazelas, as greves, o resto. Mas só por um instante. Ver a beleza do Rio não tem preço. E, num outro dia, a cidade será como a bela mulher dentro de um vestido impecável. Oxalá.

Por ora, vamos cantando nossos sambas, dramas e a certeza de, se ainda falta muita coisa por aqui, melhorar é possível.

Tome um ônibus na Cinelândia via Aterro e espie a paisagem por cinco minutos. Ou passe de manhã ao lado da Quinta da Boa Vista. Tente adivinhar onde estavam os bambas do Estácio há um século.

Aí você vai entender o que é o Rio.


Paulo-Roberto Andel

@pauloandel

Imagem: Ricardo Valença, 1998

Somos um rio...

Terça-feira, 26 de fevereiro, fog carioca sem frio.

Dez minutos de chuva em Botafogo, Muniz Barreto.

Enquanto isso anoitece em certas regiões. Dez minuto são um alagamento.

Bela a imagem retorcida e desfocada das fotos. 

Ela atenua o pior. Faz arte do caos.

Mendigos voam para o desespero. Transeuntes ficam sem chão. Carros são hovercrafts.

Somos um rio. Basta dez minutos de chuva.

Ninguém está falando de um distrito empobrecido de um município modesto.

É outra coisa.

São otraspalabras.







@pauloandel