1
Satriani toca sua guitarra vigorosa
no aparelho de som. Gosto dele. Tenho poucos discos, mas é inegável reconhecer
seu talento continental. Comprei o disco há pouco, antes da tempestade que
alagou o Rio mais uma vez. As chuvas somaram forças e mostraram que nossa
cidade é refém permanente da natureza.
2
Shopping center não é minha praia, mas precisava comprar uma calça,
uma bermuda titular para o ano que se inicia e, se possível, pescar a versão
2013 do Velvet underground, “disco da banana” (Andy Warhol, claro).
Rua do Riachuelo, belos retratos
de lixo puro entupindo os ralos. Água de merda exalando e fazendo das tampas e
bueiros uma putrefação admirável. O mesmo mendigo na porta da Pacheco pedindo
uma janta, sempre sorrindo com se estivesse a desafiar a própria dor
insuportável da alma ou esmiuçando a loucura necessária para viver no inferno
capitalista sem um centavo que não seja de doação. – É um vagabundo! – Por que
não vai trabalhar? – Quem lhe daria emprego? – E qual emprego, ora? À drogaria,
uma fila enorme de pessoas esperando por medicamentos populares, que permita o
prolongamento de suas vidas populares, ali eu era mais um, mas desisti: um só
atendente para uma dezena de pessoas. Para que melhorar o atendimento? Os pobres
precisam disso, ora! - sempre o mesmo discurso reacionário.
3
O motorista do 433 faz várias
barbeiragens no caminho da Glória até o Rio Sul. E canta e ri. Acha graça. A vida
dos outros e a própria em risco. Achei que alguém fosse dizer que isso era
culpa do PT - ou de Lula - e sorri. Trata-se de um percurso rápido, sem trânsito, menos de dez
minutos e desço feliz no ponto de ônibus em frente ao Glorioso. Quase ninguém
nas ruas. A chuva espanta.
4
Até hoje não entendi se os
banheiros do Rio Sul fedem a número 2 por excesso de usuários ou porque a
limpeza não é ideal, mesmo que sempre tenha um funcionário por lá. Sempre,
sempre o maldito odor 2.
5
Estamos em 2013 e eu achava que
sempre teria um exemplar do DB (“disco da banana”0 disponível para compra na
Saraiva. Primeiro, tinha um monte. Segundo: quem é que quer saber de Velvet
Underground? Minha cara partida, minha cara lavada: todos os exemplares se
esgotaram. Foi aí que surgiu o Satriani na minha vitrola eletrônica. Não tinha
VU, vamos de JS. Não tenho com deixar de dizer que a atendente de caixa era
muito gostosa, permito-me um momento machista como esse.
Depois, Taco para uma boa bermuda
de gordo. São grandes, confortáveis, cheias de bolsos. Para o meu tamanhão, só
tinha as de cores claras. Eu queria dark, chumbo, cinza, marrom, verdescuro. Não
deu certo, trouxe apenas a calça. Ser gordo é difícil, mas eu gosto de ser quem
sou.
Hora de voltar para casa, nada de
táxi, momento de contenção.
6
Um, dois, três, 433. Meio cheio,
meio vazio, disseram que tinha inundado alguma coisa no Maracanã. Aí, lembrei:
será que a Lapa encheu? Dia desses, o drama da morte do artista plástico Selarón.
Bendita hora em que não tomei o
táxi. Água nas duas calçadas da Mem de Sá, verdadeiro rio na rua do Lavradio, a
parte sem obras da Inválidos virou Veneza sem gôndolas. Somando forças,
subtraindo o social.
Outros mesmos mendigos que não o
da Riachuelo vivem a morte em vida nas ruas e arredores da Cruz Vermelha. Há
quem pense que tal castigo é sempre merecido. Abominável.
7
Foi um dia bom. Tive cansaço. Algumas
coisas resolvidas, outras não. É janeiro. Segunda foi o aniversário de Fred e
ele já não está aqui. Ontem foi mais um dia 15 e seguimos na labuta. Lá fora
chove, a vida escorre nos alagamentos.
8
Desço para comprar um sanduiche,
mais um suco para Ursula. Dois policiais do Core também lancham tranquilamente
no balcão da Nimusa, esquina de Washington Luiz com Tadeu Kosciusko, o
presidente do Brasil versus o herói da libertação da Hungria. Ali, tudo vira
pizza, suco e cheeseburger. Os policiais falam pouco, devem ter tido mais um
dia complicado, o trabalho que praticam não é nada fácil.
9
Banho tomado, Ursula dormindo,
Jorge Nunes fazendo graça nos comentários de futebol da Tupi, aluguel pago, luz
paga, certo aroma de paz, alguma saudade de quem deveria estar comigo, aflição
pelos que estão sofrendo com a chuva e mais um dia se foi.
A vida é breve.
@pauloandel
16012013