Sunday, June 10, 2012

Sobre Ivan Lessa, meu querido ídolo






Fevereiro de 2003. Eu passava por dias bastante complicados.

Rompimento de namoro, meus pais adoentados, a morte de minha tia Ceiça, confusões pelo caminho, as pressões naturais da estatística.

Hora do almoço, resolvi espairecer na internet e busquei um refúgio seguro: a coluna de Ivan Lessa, publicada no JB, na BBC e outros. Defrontei-me com uma sensacional crônica a respeito de macacas – sim, as primatas – lésbicas. Experimentei um dos maiores momentos de riso em toda a minha vida e, num súbito, decidi que falaria com Ivan naquele instante: queria agradecê-lo por melhorar minha vida e, mais do que isso, pelas décadas em que me ensinou a escrever.

O primeiro passo, claro, foi Google. Depois, British Telecom. Um sujeito com a abreviatura I. Lessa, não poderia ter outro. Apertei as teclas e fui parar com minha voz em Londres.

Não dei tempo de Ivan pensar nos primeiros minutos. Falei de toda a admiração que tinha por ele desde criança, quando meu pai me deixava ler “O Pasquim” mas me dizia, sereno, que eu não contasse para ninguém – é que aquilo podia simplesmente dar cadeia. Ria muito de Edélsio Tavares xingando os leitores, depois fui entender a razão. Graças a Ivan, aprendi que escrever com enorme qualidade não precisa passar por sisudez, menos ainda por verborragia que queira simular falsa intelectualidade. Por causa do Ivan, meus amigos de colégio me achavam meio estranho quando eu repetia piadas sobre o presidente Figueiredo – e era estranho mesmo para um sujeito de dez anos de idade num pais em plena ditadura, sempre defendida pelos imbecis de plantão.

Então conversamos. A princípio, ele supreso em como o achei. Narrei o caminho eletrônico. Depois, falamos da Gomes Carneiro, o edifício Majestic onde morou a colossal Lila Bôscoli, mais seu marido Vinicius de Moraes – Ivan também passou por lá. E depois de futebol, o Botafogo, o Fluminense, ele falando dos jogos em General Severiano. E depois Graham Greene e Drummond, à época defenestrado pelo puxa-saco-mor Mainardiota – a quem muito xinguei. Ivan engoliu a seco, depois me mandou um e-mail dizendo literalmente que o sujeito “era um bom rapaz, estava apenas tentando fazer algum barulho”. No fundo, Ivan sabia que não era bem assim: nenhum dos Lessa escreveria qualquer mentira para receber dotes de qualquer conglomerado financeiro. Ah, sim e a história do brasileiro:

- Paulo, estou preocupado, já estamos há uma hora no telefone, isso vai sair uma fortuna, você quer que eu te ligue?

- De forma alguma, Ivan. Se pudesse, eu gastaria todo meu salário conversando com você. Pode deixar.

- Mas tem uma coisa que não me sai da cabeça: esse negócio de você ter ido ao Google, depois na BT... posso te fazer uma pergunta? Em suma, você é brasileiro?

(Risos)

- Sou sim. Nasci na rua do Bispo, vivi 25 anos em Copacabana, moro há 19 no coração da cidade. Nunca saí do Brasil.

- Paulo, isso que você fez não é coisa de brasileiro. Investigar, esmiuçar, tem algo errado aí nessa tua árvore genealógica.

(Risos e mais risos)

Duas horas de telefone, despedimo-nos, trocamos um grande abraço. É muito bom quando um fã aborda um ídolo e é muito bem-recebido.

Anos depois, Ivan veio de surpresa ao Brasil para uma matéria de estreia na revista Piauí. Se soubesse, eu teria ido atrás dele para conversarmos ao vivo. Não deu.

Como a vida não espera, Ivan Lessa morreu anteontem em Londres, aos 77 anos.

Comecei a lê-lo quando ele tinha menos de 40 e tinha acabado de chegar de vez à Inglaterra. Li-o mesmo quando não tinha maturidade intelectual para isso, talvez muito antes de qualquer outro amigo da minha turma. Muitos anos depois, quando deixei de ter vergonha e passei a expor meus textos em público, tanto os “literários” quanto os “esportivos” (tudo entre rigorosas aspas), pensei: faço isso porque um dia me tornei fã de Ivan Lessa.

Olho para trás e acho graça: é sempre bom quando algum amigo querido tem a coragem de dizer que algo que escrevi era parecido com o texto de Nelson Rodrigues, principalmente em termos de Fluminense. Eu mesmo não acho, mas orgulhosamente já passei por esta situação algumas vezes. Agora, qualquer coisa que eu escreva, principalmente se não for tão séria no estilo, é muito mais parecida com as imitações que faço do mestre Ivan do que de qualquer outro escritor – título, aliás, que ele detestava, mesmo muito merecido.

É que Ivan foi um dos maiores escritores da história da literatura brasileira. Um gênio, filho de dois gênios - Orígenes e Elsie. Você conhece outro caso assim?

Fez, do seu jeito, a crônica de fôlego curto, como ele mesmo definiu brilhantemente.

Meus pais me deram livros, livros, revistas, jornais, comecei a rabiscar sozinho em casa. Desenhar as letras, contornar seus pequenos mistérios. Mais tarde, aprendi a ler, aos pouquinhos.

Agora, aprender a escrever, não tenho dúvidas – exceto as de quem realmente tenha aprendido ou não -, foi com Ivan Lessa. Mais tarde, tive a honra de apertar a mão de pessoas como Rubens Figueiredo e Carlito Azevedo – e trocar dedos de prosa com eles -, donde concluo ser um homem de muita sorte no campo das letras.

Hoje, quase 35 anos depois daquelas folheadas em “O Pasquim”, aqui estou para rabiscar sobre este sujeito admirável que, sem saber, mudou a minha vida para sempre. Uma coisa é certa: mesmo que não consiga direito, dado o seu enorme talento, sempre o imitarei. Melhor do que os patifes que tentam imitá-lo mas não admitem. Ou não sabem.

Aliás, agora ele sabe.

Ou não.

Paulo-Roberto Andel

1 comment:

  1. Grande Andel!
    Apesar de pertencer à geração Pasquim, eu sempre fui meio "pé-atrás" com o IL por conta de seu exagerado sarcasmo e "pouco amor pelas coisas do Brasil"; é que na época (lá pelos meus 12-13 anos) não entendia que o que ele fazia era pura provocação à "milicada" golpista.
    Com uma inteligência incontestável, sua (dele, IL) produção literária é da melhor qualidade, e se você o tem como mestre, será muito bom, para mim, poder promover um resgate desse grande brasileiro que mostrou seu amor de longe e à sua maneira.
    Continuo achando que teus textos (principalmente os que falam de futebol) remetem ao nosso ídolo imortal Nelson Rodrigues, mas agora abro um espaço também para Ivan Lessa, até para evitar que aventureiros como o "Mainardiota" (esta foi ótima!) lancem mão!
    Beleza de "crônica de fôlego curto" esta, grande guru!
    Abração e saudações TRICOLORES!

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