Sócrates talvez tenha sido o jogador com o toque de bola mais preciso e cerebral que vi jogar.
Eram tempos de Falcão, Maradona, Rummenigge e tantos outros.
Quando vi Delei surgir no Fluminense, como eu queria que contratássemos Sócrates para ver os dois juntos. Por ironia do destino, se o Tricolor um dia fez uma partida perfeita, foi justamente contra o Corinthians de Sócrates pelas semifinais do campeonato brasileiro de 1984.
Passes perfeitos, lançamentos precisos, chute na mosca e o toque de calcanhar que desnorteava os adversários. A figura esguia, longilínea, e a barba revolucionária davam-lhe um ar de transparência. Articulado. Politizado. Craque à enésima potência. Atleta, nunca foi – e nem precisava.
No começo dos anos oitenta, o Brasil ainda vivia sob ditadura. No futebol, a maioria dos jogadores era dotada de instrução limitada. E quem foi que começou a usar os microfones para tentar interferir politicamente nas questões do país? Ele, claro, o Doutor (título correto pois era médico, assim como Tostão).
Numa ocasião, alguns torcedores exasperados criaram problema com Sócrates. Por entender que a reação era injusta, ele parou de comemorar gols. Nada de boicotar o próprío time, nada de se recusar a entrar em campo, nada de chinelinhos: continuou jogando como sempre, mas reagia com frieza a cada golaço marcado. A turba entendeu e ele voltou a comemorar.
Nos últimos dias de sua curta e admirável vida, Sócrates continuou implacável: mostrou em público o quando sua relação com o álcool minou seu organismo, mas não o fez sob a pose do coitadinho – gigante como é, reconheceu a doença e fez um alerta, mas sem paternalismos que não lhe cabiam como o libertário que sempre foi. E ainda aproveitou para fuzilar - corretamente - a atual CBF.
Há ecos do futebol genial de Sócrates em jogadores como Kaká e Paulo Henrique Ganso. Antes destes, os hoje aposentados Giovani (camisa 10 do Santos em 1995) e Raí (por questões genéticas) mostraram brilho em lances que remetiam aos melhores momentos do Doutor. Contudo, é bom que se saiba: tecnicamente falando, foram e são todos inferiores a Sócrates em campo – e por serem grandes craques, isso dá uma ideia do que era o futebol do Magrão em campo.
Um vizinho meu em Copacabana e rubro-negro fanático, Walter Francis, certa vez me disse que não gostava do futebol de Sócrates. A obsessão de parte da imprensa esportiva carioca em tornar o camisa 10 da Gávea melhor do que Pelé muitas vezes esbarrava no brilhantismo do futebol do Doutor, o que incomodava alguns flamengos. Agora eu entendo. Não tiro o brilho de Zico, longe disso, mas Sócrates jogou demais. Demais!
Alexandre Santos muitas vezes narrou em jogos da Bandeirantes: “Guardooooooouuuuu Sócrates!”. Hoje, dia da rodada final deste grande campeonato brasileiro, não será assim. Mas pensando bem, se era inevitável perdermos o Doutor, que fosse num dia como esse – onde milhares de pessoas reverenciarão seus ídolos em grandes clássicos e jogos decisivos. Em cada um deles, haverá um minuto de silêncio, não apenas para um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro, mas sim para um grande homem que, não satisfeito em ser um craque munumental, contribuiu decisivamente para a luta de libertação de seu próprio país - e, se não conseguiu naquele momento com pleno êxito, ao menos libertou seu time de atuação ao fincar a Democracia Corinthiana.
Aquelas jogadas de calcanhar, aqueles dribles secos em cima dos holandeses e o chute preciso contra o goleiro Jagger na goleada de cinco a zero no Morumbi, o golaço contra os franceses por cobertura no Parc des Princes, são itens de colecionador alçados às melhores lembranças do nosso sagrado futebol – e, por isso mesmo, sob o selo da imortalidade.
Um dos sobrenomes de Sócrates era – e é! – Brasileiro. Um de seus filhos tem o nome de Fidel.
Simples assim. E definitivo.
Paulo-Roberto Andel
Eram tempos de Falcão, Maradona, Rummenigge e tantos outros.
Quando vi Delei surgir no Fluminense, como eu queria que contratássemos Sócrates para ver os dois juntos. Por ironia do destino, se o Tricolor um dia fez uma partida perfeita, foi justamente contra o Corinthians de Sócrates pelas semifinais do campeonato brasileiro de 1984.
Passes perfeitos, lançamentos precisos, chute na mosca e o toque de calcanhar que desnorteava os adversários. A figura esguia, longilínea, e a barba revolucionária davam-lhe um ar de transparência. Articulado. Politizado. Craque à enésima potência. Atleta, nunca foi – e nem precisava.
No começo dos anos oitenta, o Brasil ainda vivia sob ditadura. No futebol, a maioria dos jogadores era dotada de instrução limitada. E quem foi que começou a usar os microfones para tentar interferir politicamente nas questões do país? Ele, claro, o Doutor (título correto pois era médico, assim como Tostão).
Numa ocasião, alguns torcedores exasperados criaram problema com Sócrates. Por entender que a reação era injusta, ele parou de comemorar gols. Nada de boicotar o próprío time, nada de se recusar a entrar em campo, nada de chinelinhos: continuou jogando como sempre, mas reagia com frieza a cada golaço marcado. A turba entendeu e ele voltou a comemorar.
Nos últimos dias de sua curta e admirável vida, Sócrates continuou implacável: mostrou em público o quando sua relação com o álcool minou seu organismo, mas não o fez sob a pose do coitadinho – gigante como é, reconheceu a doença e fez um alerta, mas sem paternalismos que não lhe cabiam como o libertário que sempre foi. E ainda aproveitou para fuzilar - corretamente - a atual CBF.
Há ecos do futebol genial de Sócrates em jogadores como Kaká e Paulo Henrique Ganso. Antes destes, os hoje aposentados Giovani (camisa 10 do Santos em 1995) e Raí (por questões genéticas) mostraram brilho em lances que remetiam aos melhores momentos do Doutor. Contudo, é bom que se saiba: tecnicamente falando, foram e são todos inferiores a Sócrates em campo – e por serem grandes craques, isso dá uma ideia do que era o futebol do Magrão em campo.
Um vizinho meu em Copacabana e rubro-negro fanático, Walter Francis, certa vez me disse que não gostava do futebol de Sócrates. A obsessão de parte da imprensa esportiva carioca em tornar o camisa 10 da Gávea melhor do que Pelé muitas vezes esbarrava no brilhantismo do futebol do Doutor, o que incomodava alguns flamengos. Agora eu entendo. Não tiro o brilho de Zico, longe disso, mas Sócrates jogou demais. Demais!
Alexandre Santos muitas vezes narrou em jogos da Bandeirantes: “Guardooooooouuuuu Sócrates!”. Hoje, dia da rodada final deste grande campeonato brasileiro, não será assim. Mas pensando bem, se era inevitável perdermos o Doutor, que fosse num dia como esse – onde milhares de pessoas reverenciarão seus ídolos em grandes clássicos e jogos decisivos. Em cada um deles, haverá um minuto de silêncio, não apenas para um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro, mas sim para um grande homem que, não satisfeito em ser um craque munumental, contribuiu decisivamente para a luta de libertação de seu próprio país - e, se não conseguiu naquele momento com pleno êxito, ao menos libertou seu time de atuação ao fincar a Democracia Corinthiana.
Aquelas jogadas de calcanhar, aqueles dribles secos em cima dos holandeses e o chute preciso contra o goleiro Jagger na goleada de cinco a zero no Morumbi, o golaço contra os franceses por cobertura no Parc des Princes, são itens de colecionador alçados às melhores lembranças do nosso sagrado futebol – e, por isso mesmo, sob o selo da imortalidade.
Um dos sobrenomes de Sócrates era – e é! – Brasileiro. Um de seus filhos tem o nome de Fidel.
Simples assim. E definitivo.
Paulo-Roberto Andel
Sem dúvida, Paulinho, um grande brasileiro, defensor da ética, do caráter e da democracia!
ReplyDeleteParabéns pela bela homenagem!