É certo que não deveria, mas ainda me surpreendo com certas coisas na vida cotidiana. A indiferença de uns pelos outros ainda me soa como surpresa, porque persisto numa ingenuidade que não cabe nestes tempos ditos modernos. Ainda me sinto um Dom Quixote, mas os moinhos são reais, não há fantasia. Minha ilusão é ainda acreditar no progresso do ser humano em si. A canalhice ainda me surpreende, assim como o ódio, a ganância, a inveja, o mau-caratismo, a podridão moral. Não falo de doutrinas políticas nem religiosas e menos ainda de pensamentos confrontantes, que são muito importantes para o exercício da compreensão; quero dizer do rancor, da obsessão indevida, da falácia, da mentira. Somos animaizinhos desprezíveis quando limitamos nossa amizade a conversas fiadas, eletromensagens e tapinhas rápidos nas costas. Somos animais nojentos quando priorizamos sempre a nós mesmos, sem o menor compromisso com a dor do outro, a visão do outro, a angústia do outro. Perto dos cinquenta anos, vejo que desacreditar o coletivo humano é uma realidade inevitável e cada vez mais evidente. Praticamente morreram todos os valores que sempre acreditei e defendi, tão bem-ensinados por meus pais, alguns amigos e poucos professores - eu os procuro em várias outras pessoas mas duas ou três palavras fazem-me um rosto em choque com uma porta de aço trancada. Eu os carrego comigo mas parece que estou sempre sozinho. Onde está o respeito? A atitude de compaixão? O compromisso? A palavra? A consideração? Morreram, assim como meus pais - estes, ao menos, ainda moram em mim enquanto eu viver. Falo de quase cinquenta anos de idade e, ao olhar para trás, é difícil ver que todos aqueles que defenderam as causas populares também morreram sob o fracasso e a derrota de suas ideias frente ao imaginário coletivo tão satisfeito com seus "vencedores", seu "consumo" e suas práticas individualistas abomináveis. A tecnologia melhorou, os recursos são cada vez melhores, só que jamais chegarão à maioria dos vivos. O que chamam de moderno é basicamente trabalhar, trabalhar, pagar e consumir sem ter tempo de ver a vida real, cada vez mais presa ao que chamam de obrigações. Que evolução seria esta? Modernos? Nunca fomos tão atrasados e estúpidos e inconsequentes ao apoiarmos o modelo fracassado que chama de progresso o indivíduo que atende por um número. Queremos modernidade tecnológica, melhores aeroportos mas não estamos nem aí se o próximo bueiro vai explodir e matar alguém. O que dizer de nossas conversas rasteiras, nossa falta de profundidade, nossa confusão entre humor e grosseria? Gostaria de ser um homem calejado, sem me deparar com surpresas, mas ainda sofro com a estupidez humana, a mesma raça à qual pertenço contra minha vontade. Eu mesmo sou um estúpido: falta-me humildade para reconhecer a vitória das ideias corporativas, dos business centers e das joint-ventures sobre a pequenez da bondade humana. A vitória do individualismo arcaico. Assim padeço.
Paulo-Roberto Andel
Paulo-Roberto Andel
Em um mundo egoísta, amiGO, que fazermos senão lamentar essa nossa vertente? Mas lembro que, como dizia Durkheim, individualismo e egoísmo são coisas distintas. E que podemos, sempre, ser nós mesmos e trabalharmos pelo todo. Basta nos dispormos a isso. E combatermos os males (por maiores ou mais poderosos que sejam) que nos afastam uns dos outros.
ReplyDeletePs: meu livro "Do inferno ao céu..." ainda não foi autografado, rs!
Bjs!
Bjs!!