Friday, April 29, 2011

QUANDO NEUSINHA ME LIGOU




Tardinha de 1986, perto de novembro. Era o cinza, sem chuva e sem perspectiva de celeste. Acho que tinha lanchado alguma coisa, pois estava escovando os dentes, coisa de garoto de dezoito anos sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, mas alojado em Copacabana. Morávamos no 143 da Siqueira Campos ou o 598 da Figueiredo Magalhães, conforme o gosto do freguês. Super Shopping Center de Copacabana, construído por Collor pai, berço da minha juventude.O telefone tocou, minha amada mãe atendeu e, com preocupação, me chamou para que eu assumisse os vocais:


- Paulo-Robeeeeeerrrrrrtoooooooo, não tou entendendo, é alguém do Brizola. Veja aqui por favor.

Tadinha da minha mãe, tinha razão para se preocupar. Por conta dos nazifascistas de 1964, ela teve que correr comigo dos bandidos fardados de soldados em pleno AI-5, noutro novembro bem mais pesado: o de 1968. Nunca mais se esqueceu disso. Imagine uma garota de 23 anos fugindo da própria casa com seu filho de oito dias no colo porque, “em nome da moral, da pátria e da família”, estavam à caça de um comunista: meu tio Mendel, posteriormente expulso do Brasil, para onde jamais voltou. E depois os idiotas viriam latir que não existiu ditadura, tortura ou falta de respeito para com a cidadania. Piada. Em minha casa sempre votamos em Leonel Brizola. Contudo, minha mãe, pessoa de formação humílima, mas de grande sagacidade, bom-humor e inteligência, não tocava nestes assuntos, ainda mais se tinha alguém no telefone falando de política ou do Brizola – nome que causava calafrios nos representantes da miopia político-intelectual do país.

Peguei o telefone.

Segue aqui uma breve lembrança do que conversamos.

- Alô?

- Oi, tudo bem, com que estou falando?

- É o Paulo. Eu sou o filho da Dona Lourdes.

- Oi, Paulo. Eu falei com a tua mãe, mas acho que ela ficou com medo de falar alguma coisa e te chamou. Muito prazer. Eu sou a Neusinha.

- (Silêncio).

- Acho que você já ouviu falar de mim, por causa de uma música que tocava muito na rádio, mas enfim, bem... eu sou Neusinha Brizola. Peguei o telefone de vocês em uma lista. Deixa eu explicar: tou ligando porque, como você sabe, está chegando o momento das eleições e eu estou pedindo votos para o melhor candidato, Darcy Ribeiro. Bom, você também deve conhecer o meu pai, Leonel Brizola. Essa luta é muito importante porque precisamos manter uma resistência no Rio de Janeiro: tem esse Plano Cruzado enganando todo mundo e a gente sabe que, depois das eleições, eles vão fazer tudo o que não prometeram. Darcy é um intelectual, é uma pessoa séria, tem um passado de trabalho (...), eu queria pedir o teu voto se você for eleitor, e se puder chamar mais pessoas para ajudar na nossa campanha.

- Sim, claro. (A seguir, silêncio total de quem tinha reconhecido que a voz era dela mesma, Neusinha, e que estava embasbacado com a situação em si, não com os propósitos dela).

- Olha, Paulo, avisa pra sua mãe que isso é muito importante para todos nós. Com certeza o Rio de Janeiro precisa disso.

- Eu vou falar sim (voz de vergonha).

- Ah, e se você quiser, pode aparecer qualquer hora aqui em casa, venha falar disso com a gente.

- Tá, mas ir na sua casa? (Voz de quem tinha vergonha de ir à casa de alguém que não conhecia pessoalmente e que poderia não saber o endereço, embora eu soubesse que era na Avenida Atlântica).

- Sim, claro, é aqui na Avenida Atlântica (ela não imaginou mesmo que eu soubesse); venha que vai ser legal, muita gente boa, Brizola pra frente. Apareça! Beijo.

Quando encerrou a ligação, é claro que minha mãe espiava de rabo de olho, querendo saber o que era aquilo. Tentei explicar com calma para que ela entendesse. Minha mãe tinha sido tão fuzilada pela ditadura que não lhe parecia “normal” que pessoas telefonassem para pedir votos.

Mais tarde, fui jogar bola na praia, trave do Juventus. Contei pros amigos. Alguns se espantaram, outros riram. “Essa é maluca mesmo”, “Vai lá, cara, vai que tem uma festa maneira?” e outras pérolas típicas dos jovens daquele ano de Copa do Mundo, criados para “não se envolverem politicamente”. Mais à noite, meu pai ouviu a história e riu baixinho.

Quando lembro desse esboço de diálogo, que deve ter durado uns dez minutos se muito, acho graça.

Vejam.

Semanas depois, naquele mesmo ano, o Rio de Janeiro perdeu uma oportunidade histórica, que era a de eleger um craque como Darcy Ribeiro para governador. Imaginem se poderíamos nos dar ao luxo de uma situação dessas hoje.

Iria entrar Moreira Franco, com a opulência do governo federal.

Depois, noutro âmbito, viriam o Collor e o FHC.

Dia desses mesmo, e isso já vai para 25 anos, a filha do governador (e meu eterno candidato) me telefonava para pedir voto de maneira bem-humorada e límpida, bem diferente das redes sociais impregnadas por ódio, vistas ano passado na disputa presidencial, as “redes do Zé”. E o que dizer do medo da atriz aterrorizando o horário nobre, tentando vender uma farsa contra Lula?

Dia desses mesmo, a gente tinha chance de ter um Darcy Ribeiro como governador!

Fui eleitor de Brizola durante o resto de sua vida, tal como meus pais fizeram também até o fim. Sou eleitor de seu neto.

Talvez a Neusinha não saiba, mas os cinco minutos que conversamos no telefone quando eu mal tinha dezoito anos foram um reforço definitivo para toda a minha vida política que, naquela época, já se desenhava.

Nesta semana, ela faleceu. Neste momento, está sendo enterrada em São Borja, cidade gaúcha, ao lado de seus pais.

Pensando naquele telefonema, tudo me fez sentir um baque.

Mas certas coisas não mudam.

Porque o sobrenome Brizola está mais vivo do que nunca.

 

Paulo-Roberto Andel, 29/04/2011

Wednesday, April 20, 2011

NOVES FORA

I

Um bate-papo de rua com um companheiro de trabalho, até deixá-lo no ponto de ônibus em frente ao Iaserj. A despedida, o até-segunda e resolvo voltar para casa. Passo pela porta do Inca e lembro do Xuru, como quase sempre. Fico estupefato: uma família se abraça e chora muito. Acabaram de perder alguém querido. Uma menina jovem e bonita explode em lágrimas. Penso que minhas pequenas dívidas, minha saudade, meus conflitos e tristezas são insignificantes perto da dor da morte, sempre a corroer quem fica. Passo em silêncio, como se fosse um réquiem ou minuto de condolências. A dor dói, bem escreveu o poeta. Somos pequenos e, às vezes, queremos ser muito maiores do que o mundo; ostentamos, subvertemos, vociferamos e não vamos a lugar nenhum. Que milhão ou bilhão de reais pode pagar a dor da perda de alguém querido? Nem em sonho. É que a vida não se resume a dinheiro ou poder. Existe sentimento, atitude, respeito e amor. O rsto é falácia para que o ser humano, em sua pobreza d'alma, tente justificar os  muitos erros que comete. A família chora na porta do hospital. Eu choro por eles e meus pais, mas sigo em frente. Vivo meu drama. São quatro da tarde.

II

Bonitas as garotas que disputam espaço na próxima barca. Uma morena baixinha e graciosa de blusa vermelha, calça jeans e um chinelinho que permite ver a formosura de seus pés, com uhnas delicadíssimas. Uma loura com expressões sensuais. Talvez cinco jovens a caminho da UFF. Comentam sobre o que não pode ser consumido por ora: o podrão, a cachaça. Uma delas parece estar medicada. A juventude é uma multidão bebendo e gritando na porta de uma faculdade qualquer. A quarta-feira vira sexta, enquanto as pessoas se apertam no transporte marítimo das seis e meia, o famoso rush.


III

Eu e Bola na sala bem-refrigerada, falando de nossos sonhos. O que se perdeu e jamais voltará, o que renasce das cinzas, o que sempre ficou guardado numa caixinha da memória. Não sei se Irene vem lanchar conosco. Mais tarde verei o jogo com Leo, esperando o impossível virar fácil. Telefonar para Malu. Tentar resolver problemas meus e de outrem. É só mais um feriado. No fundo, estou ferido pela dor de morte daquela família. É que a dor dói. Não quero saber de virtualidades.


Paulo-Roberto Andel 

Monday, April 18, 2011

HOMO SAPIENS


Admirável talvez seja enxergar na multidão a mais evidente forma de solidão humana. Estar em um milhão é estar plenamente sozinho diante de avassaladores números, entre respirações e corações em movimento. Cada vez mais enxergo o ser humano em coletivo com certa estranheza; fazem coisas que não fariam sozinhos, geralmente contra a moral e o respeito ao próximo, haja vista a baderna de torcedores ditos organizados pelas ruas do mundo. Somos estranhos na condição de grupo: falamos de paz mas não a praticamos, fingimos fraternidade entre falsas conversas, sugerimos uma perfeição que não existe. Temos caprichado na solidariedade por computador, muito distante da vida real: diante de uma tela, fazemos amigos, batemos papos furados e outros positivos, às vezes trabalhamos. Existe um sol lá fora que serve como lazer de muito poucos: ai daqueles que batem pino carregando caixas e pesos e dores por conta de uma moedinha, um trocado, um pão com manteiga. Somos estranhos quando vemos os defeitos os outros mas somos incapazes de nos enxergar frente ao espelho de nossa suposta alma. Somos estranhos quando criticamos a tudo e não tomamos consciência dos nossos próprios defeitos. Muitas vezes, queremos o mais e mais por nada, o simples prazer de ter que, no fundo, remete a nenhum sentido. O fato é que o mundo tem muito mais dor do que cor, muito mais dor do que amor e uma pequena parcelinha pode viver com certas regalias e tecnologias, mais alguma felicidade social próxima enquanto a maioria despe suas vidas em sacrifícios que vão levar do nada ao lugar nenhum. O mesmo homem, tão admirável que conquista, cria e faz o progresso, é também o homem que corrompe, destroi e mata. O mesmo homem, tão apegado às crenças e à vida depois da vida é o homem que se esquece de praticar o bem durante a própria vida. Por vezes, mais ávido por auto-afirmação do que por sede de conhecimento, dinheiro ou poder, o homem tropeça em sua própria limitação humana: a de não perceber, respeitar e tentar colaborar. Quantas vezes elefantes e formigas já nos deram tais lições? Muitas, muitas. Da roda ao tablet, é certo que viramos o mundo, inventamos muito e avançamos muito. Agora, dentro de nós mesmos, não há como espantar a inevitável aragem da mediocridade.

Paulo-Roberto Andel


Monday, April 11, 2011

USE YOUR ILLUSION


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Tuesday, April 05, 2011

ONTEM