Sentado diante da maravilha tecnológica que é o computador, me deixo tomar por lembranças do longe.
Tempos da juventude, rapazote calouro de faculdade.
Acho graça quando alguém se diz “veterano” porque chegou a algum lugar seis ou doze meses antes do outro. Quando ficamos velhos, isso cheira a sonora bobagem, mas faz sentido na dinâmica velocidade no verão da vida, ali pelos dezoito aos vinte e cinco anos.
Somos saudosistas a maior parte do tempo, não fujo à regra: queria aqueles tempos outra vez, mas também gosto dos atuais, com tudo de ruim que o planeta Terra contém. Sinto a falta diária da minha família e isso é uma ferida que jamais cicatrizará: sei que preciso entender os desígnios da vida, mas ela também podia quebrar o meu galho e me entender um pouco também. Agora tenho outros amigos, novos parentes escolhidos pela afinidade em vez do sangue, outro amor.
A vida é outra.
Gosto de hoje, gosto de ontem. Reunir o melhor dos dois mundos é impossível fora da memória e do coração.
Ser jovem é ter todo o tempo do mundo pela frente. Quando era assim, lá ia eu tomar o charmoso ônibus 434 para chegar à faculdade por volta de seis, seis e meia da manhã. Você quase tem todo o mundo à vista, mas também quer trabalhar, quer ter algum dinheirinho para si e ajudar a família, quer ser alguém. É isso mesmo? Pode ser. O trajeto do 434 era mais longo do que outras linhas de destino similar, mas me fascinava a idéia de dar um voltão pela cidade antes de chegar ao palco de estudos, muitas vezes não utilizado com essa finalidade. Uma coisa era certa: no penúltimo ponto antes de chegar à UERJ, ali debaixo do viaduto Oduvaldo Cozzi, na vizinhança do CEFET, o 434 quase estacionava. Um senhor era o fiscal da empresa e fazia seu trabalho com precisa lentidão: ônibus cheio de estudantes, quinhentos metros para chegar no objetivo depois de quinze quilômetros. Era batata: o velhinho travava o coletivo implacavelmente. Tinha os cabelos esbranquiçados, nem tão curtos e a barba impecavelmente mal-feita. Não parecia ser dos mais simpáticos e tratava os trocadores que fiscalizava até com certa rispidez. Durante muitas manhãs, me vinha a vontade de dizer palavrões; com o tempo, sabendo que aquilo não iria mudar, me acostumei. Virou rotina como o café da manhã, folhear o jornal ou ouvir música. O velhinho, de quem nunca soube o nome e com quem nunca troquei uma palavra, estava incorporado ao meu cotidiano.
Dois ou três anos depois, eu passei a pegar carona com o Seu Serjão e o 434 ficou mesmo para os grandes jogos no Maracanã – uma ou outra vez eu o usava, até me formar, em 1994. Depois daquilo, quase nunca eu passava por aquelas bandas no turno da manhã. Certa vez, perto do Botafogo Praia Shopping, vi o velhinho atuando como fiscal do ponto. Estava mais velhinho, não mudou muito: travava o 434. Eu é que não era mais aluno.
A vida escorre na pia, coisas que foram outro dia viram outra década.
Tomei um táxi, desci a praça da Bandeira. Quando me dei conta, ia subir o viaduto. Pedi ao taxista que caísse pela esquerda, só para ver o ponto de ônibus. Havia um 434, mas nenhum fiscal. Parecia um dia vazio. Paramos atrás do ônibus, que se deslocou rapidamente – não era mais o 434 da minha juventude. Tão vazio quanto o dia era a região do ponto: nenhum passageiro, nenhum fiscal.
A vida segue seu curso, escrevi isso noutro lugar. Não temos tempo a perder. O problema é que não consigo deixar de pensar nas ruínas da minha juventude, depois de ter visto aquele ponto deserto.
Que saudade do velhinho mala!
Paulo-Roberto Andel
Lindas "memories", amigo querido.Snif...me emocionei, sabia? Você pode se considerar meu parente também, viu? Só ratificando...
ReplyDeleteAgora temos outros malas pela frente...e sem alça. Esses, sim, pesam. São bem diferentes do "velhinho amigo mala" :)
Um beijo e parabéns !
E.T.: Tenho news sobre o SOCCEREX. Lembra daquele nosso projeto sobre o jornal para o ..U ? Pois é...temos que voltar a falar no assunto.
Ai.
ReplyDeleteEssa doeu lá no fundo...
AmiGO,
ReplyDeleteEstava sentindo falta das suas crônicas. Anda sumido.
Bjs!
Caro Andel, todos somos fugazes passageiros de um 434 que passou e foi fiscalizado. Por isso, sobreviventes. Grande texto. Abraços, Pedro.
ReplyDeleteBons tempos aquele meu amigo, apesar dos muitos malas do nosso caminho, apesar do nosso hiper campeão malesco da faculdade, foram tempos bons que vão plainar no tempo.
ReplyDeleteNovos malas virão felizmente ou não !!!
abraço Trino