Gostaria de compartilhar com os amigos dois artigos escritos por duas cabeças coroadas do mundo contemporâneo: Boaventura Sousa Santos e Emir Sader. O primeiro fala do fascismo dos dias atuais, diluido em variadas manifestações na sociedade; o segundo, das verdades do PSDB que, estranhamente, a mídia encobre e faz questão de "esquecer".
O potencial de destruição do fascismo financeiro
Um exemplo para entender esta nova forma de socialbilidade fascista é a resposta do corretor da bolsa de valores quando lhe perguntaram o que era para ele o longo prazo: “longo prazo para mim são os próximos dez minutos”. Este espaço-tempo virtualmente instantâneo e global, combinado com a lógica de lucro especulativa que o sustenta, confere um imenso poder discricionário ao capital financeiro, praticamente incontrolável apesar de suficientemente poderoso para abalar, em segundos, a economia real ou a estabilidade política de qualquer país.
Boaventura Sousa Santos
Há doze anos publiquei, a convite do Dr. Mário Soares, um pequeno texto (Reinventar a Democracia) que, pela sua extrema atualidade, não resisto à tentação de evocar aqui. Nele considero eu que um dos sinais da crise da democracia é a emergência do fascismo social. Não se trata do regresso ao fascismo do século passado. Não se trata de um regime político mas antes de um regime social. Em vez de sacrificar a democracia às exigências do capitalismo, promove uma versão empobrecida de democracia que torna desnecessário e mesmo inconveniente o sacrifício. Trata-se, pois, de um fascismo pluralista e, por isso, de uma forma de fascismo que nunca existiu.
Identificava então cinco formas de sociabilidade fascista, uma das quais era o fascismo financeiro. E sobre este dizia o seguinte:
O fascismo financeiro é talvez o mais virulento. Comanda os mercados financeiros de valores e de moedas, a especulação financeira global, um conjunto hoje designado por economia de casino. Esta forma de fascismo social é a mais pluralista na medida em que os movimentos financeiros são o produto de decisões de investidores individuais ou institucionais espalhados por todo o mundo e, aliás, sem nada em comum senão o desejo de rentabilizar os seus valores. Por ser o fascismo mais pluralista é também o mais agressivo porque o seu espaço-tempo é o mais refratário a qualquer intervenção democrática.
Significativa, a este respeito, é a resposta do corretor da bolsa de valores quando lhe perguntaram o que era para ele o longo prazo: “longo prazo para mim são os próximos dez minutos”. Este espaço-tempo virtualmente instantâneo e global, combinado com a lógica de lucro especulativa que o sustenta, confere um imenso poder discricionário ao capital financeiro, praticamente incontrolável apesar de suficientemente poderoso para abalar, em segundos, a economia real ou a estabilidade política de qualquer país.
A virulência do fascismo financeiro reside em que ele, sendo de todos o mais internacional, está a servir de modelo a instituições de regulação global crescentemente importantes apesar de pouco conhecidas do público. Entre elas, as empresas de rating, as empresas internacionalmente acreditadas para avaliar a situação financeira dos Estados e os consequentes riscos e oportunidades que eles oferecem aos investidores internacionais. As notas atribuídas – que vão de AAA a D – são determinantes para as condições em que um país ou uma empresa de um país pode aceder ao crédito internacional. Quanto mais alta a nota, melhores as condições. Estas empresas têm um poder extraordinário.
Segundo o colunista do New York Times, Thomas Friedman, «o mundo do pós-guerra fria tem duas superpotências, os EUA e a agência Moody’s». Moody’s é uma dessas agências de rating, ao lado da Standard and Poor’s e Fitch Investors Services. Friedman justifica a sua afirmação acrescentando que «se é verdade que os EUA podem aniquilar um inimigo utilizando o seu arsenal militar, a agência de qualificação financeira Moody’s tem poder para estrangular financeiramente um país, atribuindo-lhe uma má nota».
Num momento em que os devedores públicos e privados entram numa batalha mundial para atrair capitais, uma má nota pode significar o colapso financeiro do país. Os critérios adotados pelas empresas de rating são em grande medida arbitrários, reforçam as desigualdades no sistema mundial e dão origem a efeitos perversos: o simples rumor de uma próxima desqualificação pode provocar enorme convulsão no mercado de valores de um país. O poder discricionário destas empresas é tanto maior quanto lhes assiste a prerrogativa de atribuírem qualificações não solicitadas pelos países ou devedores visados. A virulência do fascismo financeiro reside no seu potencial de destruição, na sua capacidade para lançar no abismo da exclusão países pobres inteiros.
Escrevia isto a pensar nos países do chamado Terceiro Mundo. Não podia imaginar que o fosse recuperar a pensar em países da União Européia
05/05/2010
Da série FHC-Serra: ser neoliberal é "nunca pedir perdão" (Veríssimo)
Emir Sader
As campanhas eleitorais estão cada vez mais desvinculadas dos governos que se fazem, caso eleitos. Uma se orienta pelas preferências do eleitor, pelas necessidades de captar seus votos. A outra, pelos interesses reais do bloco de forças em que se apóia o candidato.
Carlos Menem, na Argentina, e Carlos Andrés Perez, na Venezuela, prometiam grandes “choques produtivos” para recuperar as economias combalidas dos seus países. Nem bem triunfaram, anunciaram duríssimos pacotes de ajuste fiscal, revelando os verdadeiros interesses que se escondiam detrás das suas candidaturas. As demagogias dos dois os levaram ao fracasso e à prisão.
FHC anunciava que chegaria ao Brasil o Renascimento que, segundo ele, representava a globalização. Bastava controlar a inflação e estabilizar a moeda. Para isso bastava “apenas”, “virar a página do getulismo no Brasil”, substituir o desenvolvimento pelo ajuste fiscal, diminuir o tamanho do Estado, dando lugar ao mercado. Sabe-se no que deu. Nunca foi retomado o desenvolvimento econômico, o país quebrou duas vezes e duas vezes o FHC-Malan foram, de joelhos, pedir novos empréstimos ao FMI e assinaram as respectivas Cartas de Intenções, jogando o Brasil numa profunda e extensa recessão, de que só saiu no governo Lula.
Aumentaram as desigualdades e a pobreza no país, o patrimônio publico foi doado a grandes empresas privadas, o Estado foi sucateado – com especial ênfase na educação e na saúde –, o país virou uma combinação de Bolsa de Valores e shopping-center, com o governo FHC-Serra governando para uma minoria, da elite branca do centro-sul, somados aos caciques nordestinos.
Foram rejeitados, rechaçados, derrotados. FHC saiu com baixíssimo índice de apoio, Serra foi fragorosamente derrotado por Lula, quando tentava esconder seus vínculos com o governo FHC, sem sucesso, ao defender “um continuísmo sem continuidade” (sic).
Nunca se arrependeram de nada – como consignou Veríssimo -, como atitude típica de neoliberais. Nem poderiam, porque continuam a representar o mesmo bloco de forças que se beneficiaram brutalmente das privatizações e de tantas outras benesses que FHC-Serra lhes brindaram e que financiam agora, de novo, a candidatura do-ex presidente da UNE, ex-prefeito de São Paulo, ex-governador de São Paulo – todos cargos abandonados por ele, por covardia no primeiro caso, por ambição de disputar outros cargos, nos outros.
Ou FHC-Serra se arrependeram de tentar privatizar a Petrobrás, mudando o nome da empresa, para um nome “global”? Ou se arrependeram de ter jogado a maioria dos trabalhadores brasileiros na precariedade, expropriando-lhes as carteiras de trabalho, com FHC declarando que o país tinham milhões de “inimpregáveis”? De terem promovido um brutal processo de privatizações – rejeitado maciçamente pela opinião publica, como as pesquisas de opinião atestam – e de abertura acelerada e irresponsável da economia, levando à intensificação da desnacionalização da economia e da quebra de grande quantidade de empresas, com a correspondente perda de empregos?
Se arrependeram de ter tentado levar o Brasil a promover uma Área de Livre Comércio das Américas, que teria levado o Brasil e todo o continente à penosa e falimentar situação do México hoje, com FHC votando a favor da proposta norteamericana na reunião realizada em 2001 no Canadá? Se arrependeram de ter elevado a taxa de juros a 45% em janeiro de 1999, numa tentativa desesperada de segurar capitais em fuga, elevando ao mesmo tempo a esse nível as taxas de pagamento das próprias dividas do Estado brasileiro, que multiplicaram essas dívidas por 11 no final do governo FHC-Serra, depois de FHC ter dito que “O Estado brasileiro gasta muito e gasta mal”?
Se arrependeram de ter posto em prática uma política totalmente subserviente aos EUA e ter levado a uma eventual liquidação do Mercosul (este que Serra chama agora de “farsa”)? Se arrependeram FHC-Serra de terem reprimido e criminalizado os movimentos sociais, em especial o MST? Se arrependeram de FHC ter chamado os brasileiros de “preguiçosos”? Se arrependeram de ter mudado a Constituição, com votos comprados, em pleno mandato de FHC, para ter um segundo mandato?
Se arrependeram de ter apoiado o golpe militar de Fujimori no Peru? Se arrependeram de ter destinado, fraudulentamente, recursos do governo para salvar os bancos Marka e Fonte Cindam, pelo qual funcionários do Banco Central do governo foram condenados? Se arrependeram de ter jogado o Brasil numa profunda e prolongada recessão, de ter desnacionalizado a economia, de ter promovido a hegemonia do capital financeiro no país?
Passaram-se os anos e nunca manifestaram arrependimento. O que confirma que foram, são e continuarão a ser neoliberais e repetirão essas doses cavalares de recessão, privatização, desemprego e miséria que aplicaram durante oito anos, dispondo de maioria absoluta no Congresso e de apoio unânime na mídia privada e no empresariado nacional e internacional – como veremos no artigo seguinte.
Fala, Brou!
ReplyDeleteJá tinha visitado o blog, mas finalmente venho me manifestar aqui neste seu espaço, coisa que há muito tempo gostaria de fazer. Muito bons e oportunos os dois artigos, sobretudo em ano de eleições. Parabéns pela divulgação!
Um abraço do amigo,
Gustavo Reguffe
Fala, Brou!
ReplyDeleteJá tinha visitado o blog, mas finalmente venho me manifestar aqui neste seu espaço, coisa que há muito tempo gostaria de fazer. Muito bons e oportunos os dois artigos, sobretudo em ano de eleições. Parabéns pela divulgação!
Um abraço do amigo,
Gustavo Reguffe
Caríssimo,
ReplyDeleteTodo o agradecimento por tuas palavras. Mais do que vindas de uma amigo, elas justificam a reprodução dos textos aqui contidos - que, democraticamente, sofreram críticas inclusive de nossos contemporâneos na faculdade. Os tempos voam e mudam.
Grande abraço e obrigado pela visita.