PROBLEMAS
Leona Helmsley era multimilionária e, como todos os de sua estirpe, morreu sem ter usado boa parte do capital que acumulou durante sua vida. Não entrarei no mérito de sua fortuna, mas vale ressaltar que a mesma adveio do casamento com o magnata Harry Helmsley - e juntos, conduziram um império imobiliário na América que, dentre outros itens, fazia constar em sua lista de posses a administração do Empire State, veterano prédio mais do que conhecido. O ricaço morreu em 1972, dona Leona tocou o barco zilhardário.
A mídia impressa americana concedeu-lhe o título de "rainha da maldade". Mau sinal.
Semana passada, Leona partiu. Setenta e muitos anos, talvez fosse a hora, talvez não.
Deixou testamento. Trinta milhões de dólares na conta, mais ou menos o que a Mega-Sena poderá pagar a um felizardo (a) amanhã, que, se sobreviver ao infarto da notícia ótima, terá uma vida de rei (ou rainha) - a não ser que faça como o fulano da tal cabeleireira que era prostituta, assassinado em sua cadeira de rodas no bar perto do sítio. Quem se lembra?
Doze milhões de dólares ficaram ao cargo de Troble, seu pequenino cão maltês branco - e juro que o nome não significa nenhum trocadilho. Ainda.
Dez pratas para o irmão, Alvin. Cinco pratas para dois netos, David e Walter. Três milhões reservados para o túmulo de Trouble, que assim poderá ficar ao lado da amada dona em seu mausoléu tempos depois do último bife.
Outros dois netos, Craig e Meegan, por razões "por eles conhecidas", ficaram nus com a mão no bolso. Zerinho, como diria o inesquecível Jorge Curi.
Troble nem sabe, mas está diante de um problema. E, com sua fortuna, não tem autonomia para contratar seguranças, posar em revistas de celebridades ou mesmo torrar tudo em drogas. Menos ainda, tornar-se o "Rei Canino da Maldade".
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É a livre iniciativa, a falsa libertade econômica. Afinal, todos podem tudo - desde que tenham grana. Quem não tem, vive a também falsa realidade empregatícia - ou morre de fome.
É razoável que Craig e Meegan sejam osso duro, sem trocadilhos nem problemas. Ou então, apenas vítimas da perversa Rainha da Maldade. Não deve ser fácil ficar de fora dum tutu desses; se foi por maldade, então, caso de excelência plena. Para o lado ruim.
Quanto a Trouble, minhas sinceras considerações. Espero que seja um cão feliz.
E que jamais seja capaz de entender que mundo é esse no qual vive, onde uma mulher deixa de herança doze milhões de dólares para um cão maltês.
As pessoas riem, acham graça. Do mesmo jeito que riem quando se fala em atenuar a miséria das gentes em locais como o Brasil, por exemplo. Programas como o "Bolsa-Família" podem ser interpretados como mero assistencialismo, é natural - claro, de quem não sente fome e, em seguida, priva-se de comer por falta de dinheiro. Tenho certeza de que há erros. Certeza. E famintos, também.
Saber que menos gente morre de fome no Brasil é uma fagulha de esperança, pequenina e talvez vã.
Esperança, já não tenho é num mundo cujos dinheiros são acumulados como o da Sra. Leona Helmsley. O mundo da livre iniciativa.
Americanos também morrem de fome, vide Nova Orleans.
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Foram embora quase quarenta dias depois do trágico acidente da TAM, em São Paulo, que vitimou ao menos duzentas pessoas. Já se falou de tudo a respeito. Ainda é preciso averiguar e analisar para que se possa estabelecer culpas; contudo, até agora, os únicos a gozarem de isenção - merecida, pois - foram piloto e co-piloto da máquina de voar. Isentos porque, ao que parece surgir no horizonte, o show de trapalhadas entre os responsáveis pela aviação brasileira tem forte correlação com o genocídio anunciado.
Fala-se pouco do assunto. Não é mais manchete que chame atenção para angariar receitas de vulto. De toda forma, durou bastante. Era preciso, sabe-se.
Ontem, outra tragédia anunciada aconteceu. Morreu menos gente do que em São Paulo, bem menos. Mas morte não é mero algarismo, número que se risca. Basta perguntar aos parentes dos mortos em qualquer ocasião.
Bateram dois trens, em Japeri, quase o fim da linha. Terra de humildes, pobres. Nada de malas e bolsas, apenas sacolas de mão, uma ou utra mochila e muitas carteiras sem moedas.
O noticiário chamou-me a atenção: foi intenso, de momento, mas escasseando no passar das horas. Dá a impressão falsa que os mortos de Japeri são "menos importantes" do que os de Congonhas.
Curiosamente, ontem era dia de manchetes sobre a possível construção de um trem-bala ligando Rio de Janeiro a São Paulo, percurso de uma hora.
A malha ferroviária brasileira segue à míngua, mesmo com privatizações.
No Rio, certas estações nem cobram passagens, pois traficantes as dominam livremente.
A situação dos trilhos é caótica.
Alguém disse na tevê, e bem ouvi, que o trem, "meio de transporte mais seguro", provocava medo em usuários.
Trem? Não era o avião?
Bem que eu sempre desconfiei desse negócio de estatísticas.
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"Cansei!", o movimento de pessoas cansadas e ávidas pela mudança geral do Governo Federal, ainda não se pronunciou sobre os mortos de Japeri.
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31/08/2007
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