Friday, July 05, 2024

Bolinha, eu e MJ

Meu amigo Bolinha já esteve comigo em tantos lugares que, desta vez, nem parecia algo inédito. Foram bares, bares, bares, hall da faculdade, viagens, jogos, locais proibidos pela moral e pelos bons costumes, cemitérios, camelódromos, buracos variados. Agora, definitivamente o tempo passou: combinamos de ir juntos ao cardiologista. Cogitei até um adiamento; afinal tinha o sensacional jogo da seleção...quem? Uma gatinha do meu trabalho me disse que o médico era mais importante do que futebol. Não concordei, mas achei melhor ir. Estranhos os caminhos do ser humano.

Não gosto de médicos. Melhor dizendo, não gosto de certa frieza que contamina a classe médica no atendimento ao próximo. Talvez seja algum trauma de tanto ter acompanhado minha mãe a clínicas. Ou meu pai, que passou um ano internado. Ou o Xuru. Ou o Fred. Não gosto. Ironicamente, comecei minha vida profissional em um hospital: o garboso Philippe Pinel, em Botafogo. Já se foram quase vinte anos. O tempo passou.

Simpática a moça do eletrocardiograma. Tinha algo de kraftwerkiano naquilo. Não posso morrer agora: tenho que pagar dívidas, escrever livros, amar uma mulher linda e voltar a ver o Fluminense campeão do mundo. Hoje é dia vinte e cinco de junho, uma data sempre especial, inesquecível e, até bem pouco tempo, cercada somente de alegria: aniversário de uma das mulheres mais bonitas, charmosas e simpáticas que conheci na Terra, Luciene Magnani. E claro, o dia marcado pela maior conquista da história Tricolor no Maracanã, maior até do que o campeonato mundial de 1952 ou o bi de Assis: o título do Centenário, com o gol de Renato. Não morrerei. Estatística serve para isso: ler gráficos. Há estabilidade no eletro. Ufa.

Simpático o Doutor Mário. Parece com alguém que conheço, mas não lembro. Parece jovem para um médico que cuida da mãe do Bola. O primeiro cardiologista que faço rir. Achou engraçado que Bola tivesse marcado minha consulta. Expliquei: somos amigos há vinte anos; não gostamos de médico; não formamos um casal gay; gostamos de mulher, inclusive feia (Bola, muito mais do que eu); achamos bom que dois gordos fossem se consultar seguidamente – isso poderia aplacar a ira do doutor para com os de peso. Ele riu. Passou os exames chatos de sempre. Pulso normal, coração normal, um remedinho. Meu IMC nem está ruim como se poderia imaginar. Raras vezes me senti tão bem em um ambiente tão hostil. Bola também foi bem. O tempo passou.

Há muito não navegávamos pelos bares do Méier, onde não se bobéier. Tem algo ali de Alexandre Machado. Tem algo da Magnani. Algo de Sonia Chrystina. E, claro, do inusitado Alvaro Doria. Algo de Copacabana na Dias da Cruz, da avenida Copacabana entre Figueiredo de Magalhães e Siqueira Campos, para os que me entendem. Fomos felizes. É bom não estar à beira da morte numa consulta hospitalar.

Cabia uma comemoração.

Somos gordos sem-vergonha, irrereventes e suficientemente desajustados para entrar no rodízio de pizzas da Parmê, minutos após termos sido absolvidos pelo Doutor Mário. Poderíamos ter sido salvos se prevalecesse a pão-durice do Bola, reclamando do preço abusivo para se comer trinta fatias de pizza e beber hectolitros de refrigerante de cola. Rapidamente, o empurrei para dentro do restaurante.

Nossa vida tem sempre algo engraçado.

Antes das fatias, rápida passada pelos cedês das Americanas, no shopping. Não resisti a um Led Zeppelin, mesmo com “Stairway to heaven”. Dez pratas. Bola é meu amigo, mas é pão-duro; Seal estava de grátis, ele pegou... mas refutou. Tio Patinhas! A garota no caixa era uma morena bela; quando tentei pagar, ela falava ao telefone e parecia delicadamente sexy; enquanto isso, Bola se abaixava para pegar um DVD de Michael Jackson que estava no chão e que, involuntariamente, havia pisado em cima:

- Que é isso, mano, quer pisar no Michael?

- Pó, cara, ele tá caidinho.

Risos tolos, feito os dos tempos da faculdade. Nem sabíamos do que acontecia do outro lado da América.

Parmê. Uma morena jovem, linda, fofinha e grávida. Uma turma de adolescentes em festa. Gritos, risos, gente. E falamos da vida, do amor, do passado, de como foi bom rever Dino no Orkut. Nem tudo florido: também dizer sobre os que considerávamos amigos, que se afastaram.

Foi divertido. Bom viver os pequenos prazeres da vida. E descobri algo inédito: ir ao médico com um grande amigo pode ser menos incomodativo. Coisas boas acabam cedo. Hora de voltar para casa. Ouvir Jimmy Page. Pensar no dia seguinte.

Veio um 239, o motorista não parou. Eu estava no ponto errado, de forma que o considero absolvido. Mas esperei outro vir. Cinco minutos, chegou. Vazio. Antes disso, falei com um rapaz que estudou Direito comigo, Guilherme. Coisa rápida, um olá, um abraço. O fiscal libera, o coletivo parte rumo à Marechal Rondon, zona de tensão da vida carioca. E tocou o telefone. Eu queria que fosse a Tati, ou saber notícias do Leo, ou alguma palhaçada do Zé. Era o Bolinha, em tom assustado e impactado:

- Cara, Michael Jackson morreu!

Levei um soco.



Pequenas lembranças às quatro da manhã

 1) Em 1991 ou 1992 fomos eu e meu amigo Sérgio ver "O pescador de ilusões" no cinema do Rio Sul. Era um tempo em que eu não ficava 15 dias sem ir ao cinema, meu Deus. Robin Williams arrebentava num filme atrás do outro, sem parar. Enfim, ser jovem no comecinho dos anos 1990.

Fizemos faculdade juntos. Éramos muito diferentes mas vínhamos do mesmo berço: Copacabana. Nos juntamos de imediato e formamos uma turma maneira, que durou vários anos. Um dia brigamos feio por nada e nunca mais nos vimos. Uma bobagem que talvez não acontecesse na maturidade. Vivemos tantas histórias divertidas juntos que, até hoje, perguntam a um pelo outro. Ótimas histórias.

2) Engraçado que Vanessa me mandou mensagem há pouco, falando da Ana Paula, nossa querida, que apelidamos de Marisa Monte por seu então cabelão preto. Isso ainda tão vivo em nós, depois de tanto tempo - falo de 1990, 1991, trinta e poucos anos. Vanessa é admirável, sempre foi. 

Monday, July 01, 2024

Gerald Thomas, 70

Sou um completo leigo na arte teatral. Um intuitivo, que tenta mergulhar no universo da ribalta. Isso não me impede de celebrar um ídolo que acaba de completar 70 anos: Gerald Thomas.

Eu ainda era garoto quando as peças de Gerald causavam furor no Rio de Janeiro e em todos os lugares do mundo onde eram encenadas - mesmo. Eventos arrebatadores, espetáculos sold-out. Desde fins dos anos 1980, sabíamos de alguma forma que Gerald Thomas era a nossa potência vanguardista do teatro, ao lado de figuras também gigantescas como Zé Celso Martinez Corrêa. 

Qual seria o motivo de tal fascínio? Bom, como autor, diretor e artista gráfico, Gerald atira em todas as direções - inclusive como ator: basta ver as inúmeras vezes que confundiu jornalistas em entrevistas, falando coisas muito sérias que foram tidas como brincadeira, e outras que eram claras brincadeiras, mas tidas como coisa muito séria.

Desde criança, leu tudo, tudo o que podia. Ainda garoto, foi modelo e conheceu o wild side de Copacabana e Nova York.

Eis a ficha de Gerald no Museu da Pessoa: "Gerald Thomas Sievers nasceu em Nova York, em 1957. Filho de pai alemão e mãe galesa, Gerald morou até os 7 anos em sua cidade natal. Migrou com a família para o Rio de Janeiro, onde começou seus estudos de artes com Ivan Serpa e Hélio Oiticica. Aos 13 anos a família voltou a morar nos Estados Unidos, mas por falta de adaptação retorna no ano seguinte ao Rio de Janeiro. Aos 14 Gerald vai morar em Nova York com o artista plástico Hélio Oiticica. Aos 16 muda-se para Londres e casa-se com a bailarina Jill Francis Drower. Em Londres estuda na London Education Authority e começa a trabalhar com teatro. Volta então a morar em Nova York e constrói uma carreira meteórica como diretor teatral. Autor, produtor e diretor de várias peças teatrais, Gerald revolucionou o teatro brasileiro."