Tuesday, June 19, 2018

sido cão

tenho sido um cão sujo e triste abandonado numa calçada respeitável, enquanto outros cães me desprezam e não oferecem um pedaço de carne sequer. ah, os cães que passam tão indiferentes, ocupados com tardes e noites vazias, procurando a vaidade num espelho sujo. nem as pulgas me abraçam. tenho sido um cão sujo e triste, zumbi desnecessário cumprindo adestramentos inúteis porque sou velho, não tenho planos nem futuro, os outros cães não me oferecem solidariedade porque seus instintos estão pervertidos. hum, grande cão inútil sem osso nem casinha, sem vacinas e tosa, um diploma que seja! sem direitos: não tenho maconha para aliviar minhas noites de frio, nem emprego porque os cães são desimportantes no país dos estrumes, nem renda, nem casa, nem qualquer coisa que passe perto de algum conforto. eu, cão, sem pai nem mãe nem irmão, sou apenas um coração inchado à espera de uma chance, de um osso para roer, de uma mísera mão acima da cabeça por consideração e justificativa para estar onde não posso falar, onde nunca serei escutado além dos poucos latidos que tento - eu cansei de latir em vão, os cães não ligam, os animais irracionais gritam e matam e morrem em vão. eu, cão sujo e triste, querendo um banho que não depende de mim, um pacote de guloseimas que passa na TV para a elite - eu sou excluído por excelência -, um pequeno afago que me faça sentir importante no meio de tantos outros cães, coisas grandes, bichos grandes que vão e vêm sem compromisso com qualquer bicho em volta. tenho sido um cão sem sentido, ando à toa, sou insone em qualquer calçada e tenho certeza de que não faço qualquer sentido frente aos bichos de aço, aos bichos de patas redondas de borracha, aos pequenos bichinhos que esticam suas patas tentando alcançar outros bichos apressados. cão, cão, tenho visto a dor e o sofrimento que não sei latir, mas apenas fitar com meus olhos tristes e irracionais. não aguento mais a coleira, a sujeira, o osso que não encontro, a guloseima do pacote que nunca me dão. por favor, não soltem fogos. @pauloandel

Tuesday, June 12, 2018

um homem comum


eis o homem comum, um cidadão
um número
caminhando sem cantar as dores
tão solitário
no coração de uma grande
cidade

um homem sem nome nem berço
sem ambições e esperança
caminhando sozinho
em silêncio e lágrimas
encolhidas enquanto espera
a hora fatal sem previsão

um homem qualquer, pobre, triste
simples e desprezado
um homem do povo
com seus panfletos ou bugigangas
ou panos de prato ou figurinhas
lutando, lutando
pelo que jamais virá

um homem no chão, sem nome
sem pai nem mãe
sem nenhum amigo
sem o respeito do outro
olhando para o céu e tentando
entender o que faz
no coração do inferno

@pauloandel 

tristessa


eu não caibo mais
aqui
não era minha
a pena que eu
cumpri
eu não tenho
abraço, afago
apoio, perdão
nunca fui nada

eu não pertenço
a este lugar
não tenho a ver
com ninguém
não aguento mais
a minha dor e
a de outrem

eu não tenho
turma, família
casa, pátria
felicidade
eu não faço
a roda girar:
tenho saudade
até do que
não pude ver

eu nunca fui
de caber aqui
não é o meu
lugar
- quem havia
de amparar
a tristeza?

[ninguém mais]

[a morte me cai
tão blue]

um tchau
e voltar do jeito
que vim:
sem rancor
nem vontade:
apenas
a miragem

@pauloandel

Friday, June 08, 2018

O novo single de Mussa: "Eles voltaram de novo"

"Eles voltaram de novo", nova música de trabalho do cantor, compositor e artista Mussa, em parceria com Kiki Marcellos.

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Thursday, June 07, 2018

você precisa ler o mundo

A gente só vai conseguir dar passos à frente quando você ler o mundo de verdade, muito além do óbvio. Você, a gente, todos nós. É preciso ler o sangue nas veias, ler as lágrimas da saudade, a tristeza, o desalento e também a esperança. Ler, ler, ler os versos tortos, os parágrafos sujos, as crônicas enferrujadas, os velhos e-mails arquivados na pastinha. A gente precisa ler uma noite à beira do Atlântico Sul, uma tarde no Imbuí, um dia de procissão. A gente tem que ler a compreensão, porque a afirmação que depende de escorraçar o outro é natimorta na essência. Você tem que ler o abraço, o carinho, as outras palavras neste mundo de imensidão, injustiças e egoísmo. Vamos ler o amor ao outro, a consideração, ler o querer bem, ler nas entrelinhas do apreço. Que tal ler a imagem do velhinho sentado no banco da praça vendo as crianças brincarem? Ou do moço da carrocinha de picolé? Ler a moça das verduras na esquina perto do bar. A gente tem que ler os sonhos das crianças e não botar tudo a perder. Vamos ler amor e sinceridade? Vamos, é preciso! A gente tem que ler a beleza da Roberta cantando samba na televisão à meia-noite. Respeitar o cansaço do vigia na portaria de madrugada. Vamos ler o passado, quando éramos mais gentis sem a Idade Média com smartphone. Ler, ler, ler, chorar, sorrir, tentar entender um pouco deste mundo injusto e breve, cheio de maldade, mas procurando as pequenas brechas e lê-las, exatamente onde alguém escreveu o espírito da paz. 

(ao fundo, os tiros de sempre no Catumbi) 

@pauloandel