Tuesday, March 28, 2017

a nossa linda paisagem do inferno

parece tão sedutora e faiscante
esta linda visão do nosso inferno
oh, reparem nos olhinhos brilhantes
em frente à vitrine da loja de luxo:
a riquinha indiferente, a menina de rua
a respeitável executiva - não são
todas absolutamente iguais?

irmãs de um mundo cão, puro sangue
com sua banca de jornais ainda viva
e vendendo manchetes importadas
- o asfalto recebe carros importados
os negros estão empilhados no entorno
da praça, livres pelas grandes verdes
- não são todos iguais demais, senhor?

como é linda e delicada a fina estampa
da nossa visão mais limpa do inferno:
a orla, a gente bonita, o atlântico sul
e as crianças nordestinas entorpecidas
com tíner de morte - não são todas extremamente iguais?
- senhor, tende piedade do nosso majestoso inferno
queremos o nosso rio de volta, mesmo com água turva, cheiro de puro sangue apodrecido, realidades editadas mis
o nosso inferno é tão lindo que sequer percebemos o seu maior problema: nós
diabos chinfrins e indiferentes, com a nossa arrogância escarrada e pútrida
fazendo a pose dos sofisticados servis
- diabos estúpidos, sim, finalmente somos radicalmente iguais - e tão sós


@pauloandel

Friday, March 10, 2017

onde foi parar o grande amor desta nação?

afinal de contas
onde foi parar o grande amor desta nação?
estará nas cútis sofridas
deitadas sobre caixas de papelão
e debaixo de marquises? 
ou nas carnes apodrecidas 
sobre as macas mortuárias
do instituto médico-legal? 
existe amor na terra de crânios dilacerados a bala por motivo fútil?
nas carnes apavoradas e trêmulas
das meninas estupradas 
o suor é o desespero
as lágrimas sangrentas das travestis assassinadas
nos incêndios acidentais em favelas
nos conflitos sangrentos de terra
na devastação da vida nativa
o amor é o egoísmo vil
oh, amor desconjuntado e perdido
nas filas de emprego algum
nas portas dos hospitais públicos
e das pobres mulheres em visita
aos presídios
o amor faleceu no olhar dos meninos
mendigos
perdido no vazio do horizonte
envolto na manta da indiferença
e sobrevive apenas no pequeno pranto
de uma jovem mulher que clama
por justiça
o amor não prevalece numa cidade
vazia
e nem nas revoluções televisivas
onde está o grande amor do nosso país?
será transmitido em cadeia nacional
ou é mero fruto desta ironia
que nos abraça sem afago? 

@pauloandel