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Thursday, January 22, 2015

rapé - joelho de porco - 1977

agora eu vou cheirar rapé
que esta poeira não está dando pé
vou fazer reclamação,
jornal da tarde faz publicação!

agora eu vou cheirar rapé
que esta poeira não está dando pé
do asfalto pro metrô,
essa poeira louco me deixou...
louco, louco...

(louco, louco, linda...)

respirando poeira
atravesso fronteiras
a poluição... me deixou assim

(aaaaaahhhhhhhhh)

atchim! atchim! atchim!


Monday, January 19, 2015

tarde de verão

CAMINHANDO em pleno janeiro no calor do centro do Rio 2015, relativamente esvaziado na segunda-feira imprensada pelo domingo solar e o feriado de São Sebastião, padroeiro da linda e sofrida cidade.

Na agência da Caixa na esquina de Henrique Valadares com Ubaldino do Amaral os vigilantes com olhos esbugalhados enxergam até o som. A velhinha deixa o terminal eletrônico ao lado de sua neta lindíssima, capitalizando olhares.

O prédio novo da Petrobras, gigante e moderno, mil pessoas trabalhando e me recordo de meus amigos reacionários o dia inteiro nas redes sociais apedrejando o Governo, depois saem para passear na Barra ou no Leblon, preocupadíssimos com o Brazyl.

Debaixo de um calor enorme, o morador de rua procura qualquer coisa de valor dentro da caçamba de lixo atrás do Íbis na Praça Tiradentes. Ninguém liga. Quando um transeunte oferece ajuda, o pobre moço já saiu desesperado à busca de seu inferno particular.

Teatros João Caetano e Carlos Gomes, berços da ribalta nacional.

Fundação Pasqualini, Brizola vive mas a loja está fechada.

Perto dos salões de venda de cabelos na Sete de Setembro, as mulheres tatuadas gritam com seus amigos homossexuais, todos com cabeleiras modernas, para uma simples conversa. Passando uma potencial cliente, lançam o slogan:

- Quer cabelo, colega?

Desça a Sete até a esquina de Gonçalves Dias e vire à esquerda. Antes disso, vinte turistas branquelos riem a valer, mesmo esbaforidos pelo calor, ávidos pela próxima atenção - acabaram de sair da Colombo - duas louras fenomenais. A rua vazia, quase ninguém no Starbuck's.

Direita, a galeria da Ouvidor cheia de stands de moda feminina - as mulheres ficam loucas com todas as peças - a linda bailarina de Realengo gastaria horas experimentando tudo que a deixasse mais bela. Subindo a escada e passando pela sex shop, você encontra o ponto de cds da Raquel com seus pais, coisas que não vai achar nas lojas e nem nas promoções - os colecionadores espiam cada peça. Mexi em discos de jazz enquanto Raquel falava das agruras de se alugar um imóvel quando o proprietário responde pelo trio de algarismos: 171. Comprei Bowie e outros, Dado Villa-Lobos, uma coletânea de filme underground.

A longa travessia da volta, vários momentos de sol a granel, Tiradentes, Visconde, Gomes Freire, as ruas deprimidas - o calor desumaniza os sentimentos sem o Atlântico Sul por perto -, pessoas respeitáveis, o par de chinelos passa pela padaria ao lado da nova Petrobras, com pão fresquinho acabando de sair e mortadela em dia, debaixo do prédio sessentista onde certa vez Henrique fez a produção de um filme enigmático.

Perto do banco, outra velhinha sentada na porta e conversando com o vigia. Alguém ouve "Miss me blind" alto num rádio, que não é o do vendedor de churrasquinhos porque sequer montou a churrasqueira.

O mendigo pacífico e solitário da rua pede esmolas em vão. As pessoas querem o fim da corrupção, não o da miséria, enquanto pensam num futuro melhor comprando porcarias inúteis em Miami.

João, o porteiro de aviso prévio, delicadamente abre a porta do elevador para a subida. Felizmente, tudo vazio.

DEPOIS de um banho relaxante, o escritor paulo deita-se como se tivesse disputado uma maratona de corrida, abre "O capital no século XXI", deixa a televisão ligada feito rádio, conta o dinheiro na carteira, bebe um imenso copo gelado de água, esquece dos remédios, espia os arredores pela janela enquanto seus amigos tricolores reclamam do mundo inteiro e recorda os belos inícios de livros que seus colegas lhe mandaram ultimamente.

Os defensores da pena de morte não falam de seu candidato à presidência. A hipocrisia é fundamental.

No rádio, uma grande canção: "É verão, bom sinal, já é tempo de abrir o coração e sonhar".

@pauloandel

Saturday, January 17, 2015

os sentidos (comer você)

1

see me in sex
and muscles
be my biggest
turns around
let me call a fuck
on your fantasies
let me in you sex
like your love sign

2

beijar você e aproveitar
cada naco de pele santa
o gosto, o pêlo, o beijo
morder você no mar do cais
amassar, corromper, rir
comer você feito quindim
um mar de açúcar e caldo
mil delícias no entorno
beber você, pedir por sede
só para repetir a dose farta
que as tulipas não comportam
transar você em pleno sonho
voo transatlântico da emoção
e a noite rosa transborda
o beijo quente te entorpece,
o corpo rijo te roça, provoca
enquanto somos dúvida nua
mas respiramos toda prática:
fazer do sexo a tua base lunar

@ pauloandel

Thursday, January 15, 2015

carne trêmula

pensei
em ter pecados com você
percorrer tua dorsal
atlântica
o que nunca vivemos além
dos desejos
escondidos
em frias palavras tímidas
incapazes
de explicar o que nos leva
aos céus
e voltar
o tesão em nave espacial
enquanto vemos estrelas
de perto
e teu corpo faz-se líquido
em trêmulo prazer
pensei
em ter você de volta
mas nunca tive! que retorno?
deitado em berço límpido
e teu corpo em pêlo, à pele
um escândalo em letras quentes
cada verso, tua nuca
declamar teu sexo
fazer da tua carne a cobiçada
poesia: lamber-te o ventre
feito fosse um recital -
somos apenas normais

@pauloandel

Saturday, January 10, 2015

chambre avec vue

a tarde, com suas portas abertas
manchada com o sangue inocente
enquanto os homens morrem, morrem
depois de matar e torturar, fuzilar -
não há espaço para Henri Salvador - chambre avec vue
os fascistas querem mais sangue!
vamos fazer moral e cívica!
os jornais querem mais sangue para mancharem as primeiras páginas
enquanto os corações perfeitos falham
sofrem, doem o pior do mundo

os miseráveis do bolso são muito mais dignos do que os mendigos d'alma
enquanto alguém dirá que tudo foi feito em nome de Deus
a tarde ensanguentada
uma linda mulher sem palavras fascinantes nem empolgação

uma linda mulher sem qualquer sentido
a inutilidade dos grandes avanços diante da dor
e o vazio, o vazio
por um jovem estudante assassinado no chão, exangue:
feliz ano novo com racismo, violência
e a generosa estupidez:
juntos, somos o esplendor da miséria humana

juntos, somos o esplendor da miséria humana
enquanto os bancos publicam tranquilamente seus balanços
as grandes corporações preparam suas listas de dispensa
para que a farsa se chame competição:
mãos à cabeça, covardia, assassinato - "a vida é dos mais fortes"

@pauloandel

Wednesday, January 07, 2015

massive attack





Sunday, January 04, 2015

torquato!

"Quando eu recito ou quando eu escrevo uma palavra, um mundo poluído explode comigo e logo os estilhaços desse corpo arrebentado, retalhado em lascas de corte e fogo e morte (como napalm), espalham imprevisíveis significados ao redor de mim. [...] uma palavra é mais que uma palavra, além de uma cilada. Agora não se fala nada e tudo é transparente em cada forma; qualquer palavra é um gesto e em sua orla os pássaros de sempre cantam apenas uma espécie de caos no interior tenebroso da semântica. [...] Escrevo, leio, rasgo, toco fogo e vou ao cinema."

In Os últimos dias de paupéria

Saturday, January 03, 2015

junkie

"Numa tarde de agosto de 1988, cumpri meu ritual dos últimos meses: aulas na UERJ, voltar em casa para o almoço (geralmente bife de fígado com arroz e purê de batatas, feito por minha querida mãe sempre que possível; noutras, pão com manteiga mesmo), banho, descanso e saída para a tradicional reunião das tardes na casa de Fred, que podia ir até quase meia-noite em algumas ocasiões, onde valia desde carteado a audições de discos ou discussões sobre nada importante. 

Do meu prédio até a casa do amigo, um percurso que não chegava a cem metros: Bloco É, saída à esquerda na direção Figueiredo Magalhães, Supermercados Leão, a rampa circular e estilosa do shopping, a loteria do Seu Carlos cheia de escudos de times de futebol, a loja de artigos chineses, o armarinho dos pais do Luiz Octávio, a loja de flores que tinha sido dos pais do Peter, dar a volta em frente à pastelaria que tinha sido dos pais do Marcelinho. Três metros, o eterno porteiro Aílton na porta, grande, calvo, com bigodão. Já tinha parado de nos perseguir quando crescemos.

Botão 13. Saia do elevador, vire à esquerda duas vezes. Não olhe para trás, de modo a não ver o infinito corredor que bem poderia ter servido para as gravações do seriado de TV "Agente 86". Campainha do 1346, logo alguém abria a porta, geralmente sem ser o próprio Fred, dono da casa. Era o quartel general da nossa turma.

À mesa, todos reunidos: Ricardinho, Luiz Octávio, Jorge Pinto, Marco Antônio, Gustavo de Caux e o próprio Fred. Abraços fraternos em todos, chego na segunda rodada de mau mau. Coca-cola na mesa, sorrisos, os amigos da juventude. Sete, compre duas cartas. Nove, inverta a ordem e um jogador compra. Pontos e pontos.

Em certo momento, prato, gilete e um sacolé de cocaína. Minha apreensão era sempre visível. Luiz Octávio já quebrava o gelo dizendo que ninguém deveria me passar o pó, porque eu acabava com tudo - na verdade, o jeito dele me proteger. Na verdade, somente ele e Fred no serviço. O resto não era daquilo, na verdade nem eles mesmos, por mais que os olhos esbugalhados e as narinas avermelhadas quisessem falar de uma satisfação momentânea.

Foram muitos bifes de fígado, tardes de risos, discos, pequenas tristezas e sacolés de cocaína. Mas esse detalhe junkie é pequeno diante de uma história que começara dez anos antes daquele 1988, continuaria com idas e vindas pelos vinte anos seguintes, não cerraria as portas nem com a morte de alguns de seus protagonistas e vive até hoje de algum jeito peculiar.

A casa de Fred era nossa universidade de vida, fraternidade, distúrbios e convivência."

Thursday, January 01, 2015

deuses

onde estão os benditos deuses?
que não salvam miseráveis
e não vencem a violência
parecem tão alheios, frios
sob distância regulamentar
a indiferença ruge, pálida
a hipocrisia reina, patética
o mundo e suas voltas de ilusão
onde estão os deuses afora
os caminhos sinuosos e vis
nas crenças do meu coração?

@pauloandel

a janela

do outro lado da janela tem
a luz
a paisagem
o bairro livre
e gente pensando em gente
a janela e sua voz, o sonho
e tempo que não se perde
o adormecido feriado
a humilde carrocinha de sorvete
enquanto vamos sofrendo debaixo
do sol
e pensamos em nossos poetas mortos
as canções que moram longe
do outro lado da janela existe
a simplicidade do fim
mas também há sonhos, cores
e a promessa de qualquer carnaval.

@pauloandel