Saturday, June 27, 2015

no more

1

no more
wrong letters
songs of love
words away
no more
illusions in-a-breathe
unknown pleasures
feelings in vain
no more
no more

2

a canção que já não te pertences:
dela, fizestes pouco caso - houve
quem gostasse
ouvisse, cantasse
e dela se apropriasse
a canção que foi toda tua
a desaguar num ralo
e olhastes indiferente à frente -
parecia sinal de deus

3

somos estúpidos demais
o mundo sob escombros lá fora
e queremos fofoca, polêmica
doces putarias descartáveis:
quem é rico, quem é viado?
somos estúpidos demais

Thursday, June 25, 2015

sobre 1995 - gol de barriga


o mundo e as suas dores – somos imortais
o mundo em dois segundos – nossas lágrimas num instante
e todas as veias abertas jorravam o sangue da vitória
nunca fomos tão tricolores,  tão estupendos
tão senhores dos nossos corações perfeitos, um gesto, um lance
a eternidade é um romance inconteste – ah, fluminense!
abençoados sejam nossos soldados de guerra
louvado seja o super-homem de carne, osso e paixão
uma procissão à grama, nossa religião saltando às mesmas veias
a morte não existe! – nossa tristeza é desperdício! – vivamos cada segundo
somos imortais por tudo o que vivemos e sentimos!
quando tudo parecia ser finito e destruído
o que era óbvio derreteu, a certeza vã apodreceu
a casa grande e a senzala deram as mãos trêmulas –
homens, mulheres e crianças chorando e rindo, chorando e ajoelhando
os apaixonados deitados no concreto em desmaios de vitória
o mundo se resumiu num dia a um jogo de futebol:
muito mais do que um jogo, um drama, uma batalha
os que sobreviveram contaram suas melhores histórias
e trouxeram para sempre a imensidão de um eterno domingo
um exército – um capitão – um rambo – soldado doido admirável
de faixa na cabeça e uma sentença no ventre preciso
e os últimos momentos de um maravilhoso super-herói:
o mais humilde, cordato e elegante dos homens de bem
o sangue, as veias, o peito, os sentimentos, tudo sangra e alivia
ao pensarmos que o oxigênio de um fla-flu – o maior fla-flu –
remete ao melhor campo dos sonhos: cada cabeça uma sentença
cada coração, uma paixão lancinante e inexplicável às vistas:
um chute, uma barriga e a imortalidade são todo amor que perseguimos –
ele renasce em berço esplêndido da nossa história em cores límpidas


@pauloandel

Tuesday, June 23, 2015

Saturday, June 20, 2015

"Junky", de William Burroughs


Nasci em 1914, numa sólida casa de tijolo aparente, de três andares, numa grande cidade do Meio-Oeste. Meus velhos viviam bem. Meu pai tocava seu próprio negócio madeireiro. A casa tinha uma área na frente, um quintal nos fundos com jardim, um laguinho cheio de peixes e uma cerca alta de madeira protegendo tudo. Me lembro do homem dos lampiões acendendo o gás nas ruas, do enorme Lincoln preto reluzente e dos passeios pelo parque aos domingos. Não faltava nada: era uma vida segura e confortável, para sempre perdida agora. Eu podia vir com uma dessas conversas nostálgicas sobre o médico alemão que morava ao lado, os ratos que rondavam o quintal, o carrinho elétrico da minha tia e o meu sapo de estimação que vivia na beira do laguinhô dos peixes.

Na verdade, minhas primeiras lembranças são matizadas pelo medo de pesadelos. Eu tinha medo de ficar sozinho, medo do escuro e medo de dormir por causa dos pesadelos, em que um horror sobrenatural estava sempre a ponto de se materializar. Tinha medo de que um dia, ao acordar, o pesadelo ainda estivesse lá.

Me lembro de uma empregada falando sobre ópio, que o ópio trazia sonhos lindos, e eu disse: “Vou fumar ópio quando eu crescer”.

Quando criança eu vivia assolado por alucinações. Uma vez, acordei de manhã bem cedo e vi uns homenzinhos brincando numa casa de cubos que eu tinha erguido. Não tive medo, só uma sensação de imobilidade e espanto maravilhado. Outra alucinação ou pesadelo muito comum envolvia “animais na parede”, e começava com o delírio provocado por uma febre estranha, jamais diagnosticada, que eu costumava ter aos quatro, cinco anos.

Frequentei uma escola moderna, ao lado dos futuros cidadãos íntegros — advogados, médicos e empresários de uma grande cidade americana. Junto das outras crianças eu ficava tímido, com medo de violências físicas. Tinha uma lésbica mirim muito agressiva que puxava meu cabelo tão logo me via. Eu bem que gostaria de socar a cara dela nesse mesmo instante, mas, anos atrás, ela caiu do cavalo e quebrou o pescoço.

Quando eu tinha sete anos, meus pais resolveram se mudar para o subúrbio “pra se verem livres de gente”. Compraram um casarão com muito terreno, bosques e um lago com peixes; em vez de ratos, havia esquilos no quintal. Vivíamos numa redoma aprazível, ao lado de um belo jardim, afastados da vida urbana.

Me botaram num ginásio particular de subúrbio. Eu não era especialmente bom ou mau nos esportes, nem brilhante ou retardado nos estudos. Tinha um bloqueio definitivo para matemática e tudo que fosse mecânico. Jamais gostei de jogos competitivos de equipe, e os evitava sempre que possível. O fato é que me tornei um doente imaginário crônico. Porém, gostava pra valer de pescar, caçar e caminhar. Lia mais do que a média dos garotos americanos daquele tempo e lugar: Oscar Wilde, Anatole France, Baudelaire e até Gide.

Criei um apego romântico por um garoto, e a gente passava os sábados explorando velhas pedreiras, passeando de bicicleta e pescando em lagoas e rios.


qualquer agora

onde foi parar o nosso
sempre?
esgueirou-se pelas beiras
em travessas ligeiras
e se perdeu numa fala de mesa
uma conversa que não se lembra
e o sempre?
fugiu para as noites
solitárias do leme
as serestas da praia vermelha
calou-se numa tarde de sábado
as canções de amor dizem pouco
a poesia faz-se tão encolhida
o sempre mora tão longe
que nos desabriga
que tal irmos atrás do quando, agora!, sem rodeios?
antes que o gosto amargo
seja a lembrança de um sol
que não nasceu nem se pôs

@pauloandel

Thursday, June 18, 2015

discurso sobre o filho da puta - alberto pimenta

Alberto Pimenta (Porto, 26 de Dezembro de 1937) é um escritor, poeta e ensaísta português. 
Destaca-se entre os autores europeus contemporâneos pelo carácter crítico e irreverente da sua obra, bem como pela diversidade dos géneros abordados: poesia, ficção, teatro, linguística, crítica, happenings e performances.
Entre as suas obras teóricas, destacam-se "O silêncio dos poetas" (1978), lançado originalmente na Itália, e "A magia que tira os pecados do mundo" (1995). O primeiro livro corresponde a um estudo sobre a poesia concreta (ou concretismo) e visual, principalmente a brasileira e a de língua alemã. O segundo, a uma obra de base teórica antiplatónica dividida em vinte e duas partes, cada uma delas correspondendo a um dos arcanos maiores do tarot. Mitos, arquétipos, literatura, (Dante, Camões, Shakespeare, Fernando Pessoa, António Boto, Emilio Villa, Murilo Mendes, Haroldo de Campos) e artistas plásticos (Oskar Kokoschka, Yves Klein, Pablo Picasso) estão entre os objetos desse livro invulgar. 

A partir da década de 90, a sua obra passou a referir-se mais directamente aos fenómenos ligados à globalização. Ainda há muito para fazer (1998), por exemplo, é um poema longo que parodia os discursos publicitários e da internet, e trata dos efeitos sociais da Guerra de Kosovo e da União Europeia.



Para ler "Discurso sobre o filho da puta", acesse @pauloandel


I
o pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno filho-da-puta.

no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o pequeno filho-da-puta.

todos
os grandes filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande 
do pequeno filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequeno
filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja, o pequeno filho-da-puta. 


II 
o pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno filho-da-puta.

no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o pequeno filho-da-puta.

todos
os grandes filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequeno
filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja, o pequeno filho-da-puta. 

@pauloandel






Wednesday, June 17, 2015

inferno

o inferno é uma facada covarde
ou a fome debaixo de uma marquise
os últimos minutos de uma derrota na UTI

o inferno é uma indiferença
a falsidade
a palavra que não vem do ventre
a covardia

o inferno nos estupradores de abrigos
monitores de dores e mortes
o inferno é uma pasta recheada de agrados
ao poder - o poder!
certa frustração de um dia sem emprego
uma pedrada na cabeça da religião
um pedido de queima de livros
o inferno é a escrotidão
a hipocrisia
o caráter que se vende
o egoísmo que fede o salão
o inferno é uma bobagem
os espertos riem pisando em chamas
não percebem o calor da idiotice
o inferno termina em solidão


@pauloandel

Sunday, June 14, 2015

jô soares

De tudo o que já foi dito a respeito de Jô Soares nos últimos dias, impressiona-me (mas não muito) a colossal ignorância de alguns "pensadores" da internet.

Durante toda a época da ditadura, Jô foi um de seus principais desafiadores. Para aprovar suas peças, usava um expediente humorístico: antes de um parágrafo que fatalmente seria censurado, colocava outro que nada tinha a ver com o roteiro, metendo palavrões e putarias. Assustado - e muito burro -, o censor cortava todo o parágrafo falso, deixando o que o autor queria (foram os mesmos que não desconfiaram de que Julinho da Adelaide era "parecido" com Chico Buarque, ou que deixaram passar o primeiro disco de Tom Zé - não entenderam nada).

Em 1988, Jô fez o que ninguém faria: chutou o sucesso do horário nobre às segundas para fazer um programa de entrevistas no SBT à meia noite. A Globo não quis o programa. Doze anos depois, ele foi recontratado ganhando o triplo.

Com mais de meio século dedicado ao humor, ao teatro e ao entretenimento, multimilionário, aos 77 anos Jô poderia ser um acomodado como Faustão ou um "bom moço" dos sábados à tarde. Longe disso. Do artista, se espera a ousadia e não a submissão.

Pensando bem, é natural que muitos o xinguem de forma agressiva e primitiva. Somos ainda um país de muita galhofa e pouca leitura, muita pose e pouca reflexão, muita arrogância e nenhuma humildade em reconhecer o mar de ignorância que ceifa a nossa história.

A você, que perde seu tempo com palavrões na internet contra Jô Soares, um lembrete: graças à luta de pessoas como ele no período mais autoritário da história, a tua liberdade democrática do exercício do primitivismo está assegurada. 

E tudo porque virou desrespeito respeitar quem preside a República. Não a das bananas, como se falava; afinal, qualquer macaco é muito mais articulado intelectualmente do que a maioria dos internautas brasileiros, ávidos por seus choques de ordem, meritocracias e defesas de um nacional socialismo que já deveria estar enterrado ao lado do cadáver de Adolf Hitler. 

@pauloandel


Saturday, June 13, 2015

santo sangue

o que dizem lá fora
não nos aquece
somos o vazio, a perda
o silêncio forçado
enquanto
nossas lágrimas contidas
não revelam as dores
- onde estancar
o nosso santo sangue?
- onde ficou
nosso pacto de santo sangue?
alguém gritou lá fora
ninguém atendeu
nem reclamou
não existe abraço nem amor
a legião dos filhos da puta
chegou
tiros, estupro
e morte nos sinais
lâminas de merda ao bel matar
espuma de sangue a brilhar*
o que escrevem não nos convence
o que noticiam
não tem cabimento
a legião dos filhos da puta chegou
e o primeiro a perceber
a falência
não vai estancar o que restou
do nosso santo sangue
o nosso venerado sangue
a poesia está perdida, retesada
esperando algum
romance

@pauloandel

*"só morto", jards macalé

Monday, June 01, 2015

cheio


o mundo cheio do mundo
cheio de tudo
há mansidão às vezes nos intervalos da dor lancinante
- à espera da próxima facada - o próximo estupro
uma lucrativa guerra
eis o mundo contra o mundo
para qualquer natureza, a morte - a indiferença
a solidão é uma multidão em festa
o mundo sobre o mundo
nada de novo debaixo das marquises
nada de novo nas primeiras manchetes
e a Terra
com pequenos bilhões de planetas de carne
completamente dissonantes de qualquer órbita
- a revolução não vai ser televisionada, mas a barbárie sim -
todos sejam felicitados pela estadia no mundo real: o da vaidade
egoísmo
estupidez
celebremos a genialidade de nossas espaçonaves
e pensemos nos ditadores que delas se apropriam
os nossos mortos, os torturados
os assassinos e larápios
seja pelos pequenos objetos ou grandes negócios
o mundo cheio do mundo
abarrotado
enquanto transbordo de mim mesmo
cheio
cheio
cheio

@pauloandel