Friday, March 30, 2012

DISSECANDO COPACABANA 1980-2012


 
1
Rafael vai ter um longo processo de recuperação que exigirá paciência. Prometi a mim mesmo que o veria vivo. Da última vez que estive no Copa D’or, houve um silêncio de morte quando Fred disse adeus. Havia uma chuvarada na saída da estação do metrô da Siqueira Campos, comprei um guarda-chuva de merda por inflacionados dez reais. Rafael quis ver o jogo, Michelle dormiu, deixei meu abraço. Em plena Figueiredo Magalhães, voltei à infância. Singing in the rain.

2
Edifício Caesarea. Penúltima casa de Fred, quase em frente ao Copa D´or.

3
Galeria Menescal, esfiha tradicional do Baalbeck. A iguaria continua a mesma. Não reconheço nenhum dos funcionários e procuro em algum lugar um sinal de vida do senhor árabe que era o dono em 1980. Duas esfihas de carne, uma coca-cola.

4
A Saraiva tomou o lugar da Sloper na Raimundo Correia, onde morava o mendigo Baiano e faziam festa de aniversário para ele. Em vez da Barbosa Freitas, um abominável Bradesco. Tiraram o Art Copacabana e puseram o nada. Cine Copacabana, academia de ginástica moderninha. Pelo menos o Cirandinha continua intacto. Debaixo de uma das marquises, garotos moradores de rua planejam os próximos passos: o prato de comida, o crack, um pequeno assalto. As farmácias são visíveis, Copacabana precisa disso. Decido caminhar na contramão dos carros, quero ver discos. Constante Ramos, uma loura de parar o trânsito me lembra quando eu era apaixonado por Eliane – o que não significa vantagem alguma, porque o bairro todo também era.

5
Algum burburinho perto da Djalma Ulrich, não sei dizer o motivo. Antes, Bolívar, as inevitáveis lembranças do Bonino´s e do Xuru.

6
Musicale. Foram meus concorrentes, a loja é boa, mas cara. Tem valor. Meddle, do Floyd, é a opção. Bau, o cavaquinista de Cesária Évora, também. Gosto de discos, desde os tempos da Billboard, que depois virou Modern Sound, que depois virou nada. Uma coletânea europeia de metal. Tudo faz sentido.

7
Atravesso a rua para talvez encontrar Epocler na delegacia. Espio, espio e sou vencido pela burrice: ele já não está ali, mudou de missão. Nova travessia, um sujeito com estampa de policial lancha um sanduíche vulgar no Bar Bico. Pensando bem, é um policial. Um garoto passa pela calçada completamente fora de órbita. Parece crack, lógico.

8
A terceira travessia. Um aprazível restaurante a quilo. Logo vejo uma morena linda e charmosa, acompanhada por um nórdico. As putas de Copacabana têm mais charme. Na fila do serviço, frango agridoce que experimento. A puta é linda, mas preciso jantar. Não conheço ninguém no restaurante e nem poderia ser diferente: agora sou um turista, um estrangeiro patético. Escolho uma mesa pequena para sentar sozinho. Mais à esquerda, ouço vozes anasaladas: “Eu faço gordinho, faço magrinho, alto, baixo, o que importa é homem”. Os timbres não enganam: três travestis afetadíssimos fazendo a social, jantando e planejando os próximos programas – ou amores, talvez. Moraes tinha que estar aqui para rir, ele gosta disso. Tenho que rir também do Astra Branco do Xuru e daquela velha história que nunca termina na rua Souza Lima – os dois garotos, as bicicletas, o flagrante. Isso tudo é muito, mas muito Copacabana.

9
Chove drasticamente, Maro está por perto e leva um tombo, mas não fico sabendo. Copacabana é estranheza, é ser alheio sem ser indiferente. Uma pena. Não tem Fred, nem Xuru, nem Epocler. Nem Eliane. Nem Marco, Luiz Octávio, Jorge Pinto. Copacabana é minha solidão humana em preto e branco revestida em sépia.

10
Edifício Igrejinha. Minha mãe morou ali no começo de seu sofrimento.

11
O velho 126 agora é meu 434. Gelado e vazio. A avenida Copacabana completamente molhada. Sempre terei pena dos moradores de rua que não merecem isso. Ninguém morreu: a cada prédio, a cada passado, a cada espiada, Copacabana me move. Daqui a pouco eu volto.


Paulo-Roberto Andel

Friday, March 23, 2012

OBRIGADO

Thursday, March 22, 2012

OBRIGADO, JORGE



Morri várias vezes. Ressuscitei em todas. Sempre foi assim.

Tive medo de algo inevitável e certo, de tempo impreciso. Fica sempre a sensação de que ainda falta muita coisa para fazer – e pouca para sofrer.

Há pouco, cismei de ouvir a gravação de “Carinhoso” feita por Radamés Gnatalli, num disco que o junta a ninguém menos do que Severino Araújo.

Horas antes, de forma absolutamente surpreendente, revi um amigo querido em minha própria sala de trabalho, ele que não via pessoalmente há anos e que brevemente vai morar no exterior por outros anos. Fiquei contente e triste ao mesmo tempo, mesmo sendo tudo bom. Perdemos tempos demais em escritórios fechados enquanto a vida jorra em botecos, tabernas e demais logradouros vis.

No meio do caminho, revi fotos e coisas e gentes que não moram mais aqui, talvez em lugar nenhum além das divisas de um coração que bate por teimosia. Um computador vale por uma canção.

Um monodrama do Carlito, uma piada do Xuru, o Fred com sorriso efêmero típicos dos árabes de quem descende. Eu mesmo, criança de fralda, colo e chupeta. Tempos voam rasante em riste!

Por um instante, chorei. Morri.

Olhei para os lados e tudo parecia fim.

Num súbito, o celular tocou. Era uma mensagem de boas-vindas de uma instituição financeira. Sinal claro de que a vida persistia a todo vapor. Severino Araújo continua a toda.

Também tem Kamille, que me lembrou do aniversário de Jorge, que sentou praça na cavalaria. Quarenta anos de companhia em fitas cassete, discos, radinhos, um mundo. Minha lágrima secou, talvez. Jorge é força, é alegria, é vida a céu aberto. Jorge Benjor.

Mais tarde, escutarei Jards Macalé fazer das maldições um vulcão ao cantar a obra de Wally Salomão.

E não vou chorar.

Porque somos malditos, admiráveis e vivos, seja lá de qual forma for.

E a banda do Zé Pretinho nunca para de animar a festa.


Paulo-Roberto Andel


MILAGRES DO POVO




Quem é ateu
E viu milagres como eu
Sabe que os deuses sem deus
Não cessam de brotar
Nem cansam de esperar
E o coração
Que é soberano e que é senhor
Não cabe na escravidão
Não cabe no seu não
Não cabe em si de tanto sim
É pura dança e sexo e glória
E paira para além da história

Ojú obá ia lá e via
Ojú obá ia
Xangô manda chamar
Obatalá guia
Mamãe oxum chora
Lágrima alegria
Pétala de iemanjá
Iansã oiá ria
Ojú obá ia lá e via
Ojú obá ia
Obá

É no xaréu
Que brilha a prata luz do céu
E o povo negro entendeu
Que o grande vencedor
Se ergue além da dor
Tudo chegou
Sobrevivente num navio
Quem descobriu o brasil
Foi o negro que viu
A crueldade bem de frente
E ainda produziu milagres
De fé no extremo ocidente

Ojú obá ia lá e via...

FUI AGREDIDO POR E-MAIL


Pela enésima vez, recebi tal correspondência eletrônica. 

Nunca fiz mal a ninguém que justificasse tamanha agressão.

PASSAGENS








AMORTECEDORES

e quando foi
que você arrumou
caixinhas de amor
numa prateleira?
e quando mediu
trinta e oito graus
de febre do amor
num termômetro
apraz?
foi você
quem injetou amor
pela bomba
de gasolina?
e quem te disse
do amor estar
numa promoção
de vitrines?
quem mastiga
snacks de amor
que não configurem
a quebra de um
regime?
pois é, eu quase
não percebi
quando estive
empolgado
e fiz minha
jorra de amor -
tragam-me
um cálice de amor
quero tragar
um cigarro de amor
manchetes e fotos
chamadas e vídeos
falando de amor
enquanto *o verme
passeia na lua
cheia e ninguém
percebe o rigor
bíblico
aos pés
do amortecedor

paulorobertoandel 2032012

*Citação de "Flores Astrais", 1973


DOR ELEGANTE

(Itamar Assumpção/ Paulo Leminski)

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, edens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra


QUEM CANTA SEUS MALES ESPANTA

(Itamar Assumpção)

Entro em transe se canto, desgraça vira encanto
Meu coração bate tanto, sinto tremores no corpo
Direto e reto, suando, gemendo, resfolegando

Eu me transformo em outras, determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto, sozinha no apartamento
Às vezes eu choro tanto, já logo quando levanto
Tem dias fico com medo, invoco tudo que é santo
E clamo em italiano ó Dio come ti amo
Eu me transmuto em outras, determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto, sozinha no apartamento

Vivo voando, voando, não passo de louca mansa
Cheia de tesão por dentro, se rola na face o pranto
Deixo que role e pronto, meus males eu mesma espanto

Eu me transbordo em outras, determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto, sozinha no apartamento

É pelos palcos que vivo, seguindo o meu destino
É tudo desde menina, é muito mais do que isso
É bem maior que aquilo , sereia eis minha sina

Eu me descubro em outras, determinados momentos
Cubro com as mãos meu rosto, sozinha no apartamento

Entro em transe se canto às vezes eu choro tanto
Vivo voando voando é pelos palcos que vivo


VERSOS ÍNTIMOS

(Augusto dos Anjos)

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


HIPÓTESE

Nenhuma premissa
Me faz elegante –
Sou um desajeitado
Doidivanas
E isso requer
Desmerecer
O importante

paulorobertoandel 22032012

Wednesday, March 21, 2012

LEITURA ESSENCIAL!


Copiar o link para seu navegador:

http://pt.scribd.com/doc/73763121/Alberto-Pimenta-Discurso-Sobre-o-Filho-Da-Puta-Fenda-1991

Tuesday, March 20, 2012

CONTRADICÇÃO


enquando eu escorro um drama
você cogita a pose
e não me socorre - 
meu karma num morro
desaparece
porque flana em close
numa calçada de brita,
despreocupado com a tragédia
que mora na porta ao lado
na caixa de correspondência
ou num e-mail qualquer.
enquanto eu vocifero o drama
você não me consola
e navega em tédio,
apaixonada pelas vitrines
e manchetes
e letras marcantes que dizem pouco.
enquanto desaconteço
você se refestela num lençol cheiroso
que não quer dizer cama - 
eu desaconteço
desaconteço
desaconteço
a contento de quem me detesta
mas não me acerta
num ponto final.


paulorobertoandel 20 03 2012

TRASH É VIDA!

Monday, March 19, 2012

QUINTAS NO BNDES - 2012


Programação QUINTAS NO BNDES 2012

Entrada Franca


MARÇO
22 - Chico Saraiva e Verônica Ferriani
29 - Raul de Souza

ABRIL

05 - Ilana Volcov
12 - Marta Leal
19 - Valéria Lobão
26 - Délia Fischer

MAIO
03 - Quinteto Persch
10 - Triunvirato
17 - Júlio Dain
24 - Sou Kast
31 - Itiberê Zwarg

JUNHO
 14, 21 e 28 - Programação especial de aniversário do BNDES

JULHO
05 - André Carvalho
12 - Pinho Brasil

Friday, March 16, 2012

PROMOÇÃO DE LIVROS

www.7letras.com.br/ 
Para quem gosta de ler e pensar. 
Quem visitar o site da editora 7 Letras e escolher livros de seu interesse, basta mandar um e-mail a seguir com sua lista de compras para vendas@7letras.com.br, aos cuidados do André, e dizer que chegou lá por intermédio do Paulo-Roberto Andel - o desconto é automático. 
Confiram e divirtam-se! Um abraço.

ISCA NO ANZOL DE ARRIGO



Onde há isca, não petisca na mira dos polícia.

Eu queria dizer.... ah, eu queria dizer?

Esperei quase trinta anos para ver a Isca ao vivo na minha terra. Eu era garoto e via aquele show meio doido, aquelas garotas bonitas com vozes trovejantes, aquelas canções que não pareciam com absolutamente nada do que eu ouvia – embora parecessem tão familiares e interessantes aos meus ouvidos -, tudo na Bandeirantes antes dessa corruptela engraçada de Band. Ser adolescente em 1981 não era muito fácil: o dinheiro curto, os shows escassos, o intercâmbio longe da descomplicação.

Então, dado que a vida é um estalar de dedos com farpa na unha do dedão, o tempo vou e fugiu. Dia desses mesmo, coisa de uns cinco anos, pela primeira vez eu pude ver Arrigo no Rio, na Caixa Cultural. Eu tenho um ídolo chamado Arrigo, o resto eu não conto por pode parecer sintoma de perigo – postiço! E vi a segunda, no Oi (agora as casas de espetáculos têm estes curiosos nomes corporativos).

Meu tempo me mastiga. Inventei de escrever dois livros sobre futebol ao mesmo tempo, em vez de viver minha vida pacata de estatístico. Isso tem acabado até com a pausa para inspirar. Deixei de lado os cadernos de cultura, talvez a única coisa que ainda preste nos diários midiáticos convencionais. Mas na terça, eu sempre leio (mesmo que atrasado) a resenha dos discos da semana (eu ainda compro discos!); foi minha redenção: escondida nas entrelinhas, a notícia do show que eu esperava há tantos anos – e que imaginei que nunca fosse ver ao vivo. Depois Carlão, nosso mensageiro aqui do trabalho – e, por conseqüência, herói – zarpou rumo ao CCBB para comprar meu ingresso. E conseguiu, fato raro em se tratando da programação da casa (geralmente esgotada com enorme velocidade). Estava escrito que eu finalmente ia ver o que queria.

Quando o show começou, voltei 30 anos no tempo e revi na memória as melhores lembranças da minha casa: era minha mãe rindo (ela gostava quando eu via aquelas “coisas diferentes” na televisão), meu pai com ar soturno que escondia a aprovação, nossa casa em Copacabana. Nada foi para o beleléu, mesmo eles não estando mais aqui: eu os carrego comigo em algum lugar dentro de mim que não sei explicar. Não tinha bateria, uma pena? Pena? Ficou ainda mais espetacular, porque tudo ficou marcado no baixo do meu xará e aquilo saltava aos olhos como se Art Blakey estivesse nas redondezas. Mais estranho ainda é eu não ter qualquer crença, mas sentir que Itamar estava na ocorrência – tudo naquele pequeno teatro fazia crer nisso: os coros suaves, o impacto das interpretações, o clima de club. Alguma Lira Paulistana aconteceu em meu coração.

De todo o maravilhoso repertório e a arrebatadora performance da Vange e da Suzana, o que me chama atenção é que ambas cantam de um jeito jovem, jovem, tão jovem como se o tempo tivesse sido congelado e tudo voltasse. Não há dúvidas de que a obra de Itamar – ainda a ser descoberta por milhões – exala juventude, mas as cantoras dão o tom impecável.

O Luiz era o pai da Tulipa nas apresentações. Faz todo o sentido, são tempos modernos – e tomara que todos os fãs dela, Tulipa, dentre os quais me incluo, tenham a curiosidade de investigar a obra fantástica que seu pai ajudou a construir.

Perdi a conta dos shows que vi em minha vida. Foram muitos. Muitos. Mas não tenho a menor dúvida: este do Isca com Arrigo foi um dos melhores que assisti em toda a minha existência. E isso pouco ou nada tem a ver com tantos anos de espera: é que foi bom demais, bom pra carvalhowski.

Tomara que algum gênio tenha gravado na mesa. Os ouvintes merecem um CD no futuro.

Obrigado por tornarem minha vida mais feliz, desde aquele 1981 até hoje, 2012, e o que vem pela frente.

Obrigado e obrigado.

Paulo-Roberto Andel

Wednesday, March 14, 2012

HEREDITÁRIO

A cada parto

A cada luto
A cada perda
A cada lucro
O sol que dura, só um dia
A cada dia, o sol diário
Contra o que for hereditário.
Contra o que for hereditário.


Em cada mira
Em cada muro
Em cada fresta
Em cada furo
O sol que nasce, a cada dia
A cada aniversário
Contra o que for hereditário
Contra o que for hereditário
Contra o que for hereditário

Arnaldo Antunes/Tony Bellotto/Nando Reis

Tuesday, March 13, 2012

ÓCIO




o aquilo que não me fascina
é ócio
e fácil
enquanto meu porém
desce em cascatas


sete quedas em cristal d’água
sem remorso
nem repente


é que eu corroboro o poente
que se anuncia ao passo
da noite e seu estrondo:
risos, discos e danças


artifícios contra a tristeza
mendigos em banquete
sem realeza


e a vida, meu amigo,
é aquele aquilo:
o ócio, o fácil, o tátil,
o devoto do conforto –


e eu que não arredo pé
nem mudo de opinião
acho graça:
traço vôo no mais vago
no infinito em desamparo


e nada tem a força
de me fazer arredio:
minha cobiça
é o fracasso!


paulorobertoandel13032012

Thursday, March 08, 2012

PARA MORRER DE RIR


(Clique na imagem para ampliar)

Tuesday, March 06, 2012

MÁRIO DE ANDRADE

Eu sou trezentos

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,

As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos! Ôh, Pirineus! Ôh, caiçaras!
Se um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.

(1922)

Monday, March 05, 2012

AH, MEU AMOR EM CAMPO

As contas estão pendentes; as tarefas, atrasadas; os horários, apertados. Existe calor e confusão lá fora. O ar-condicionado não funciona como devido, a calculadora parece pequena para tantos dígitos, o expediente só acabará às dez da noite.

Aqui, numa sala fechada e alva, não paro de pensar em uma partida de futebol.

Há muito a fazer e construir, problemas para resolver, atendimentos a clientes, e-mails, contas, contas, procedimentos e tudo o mais que valha nessa efêmera partida cotidiana. Mas o fascinante sentimento que advém do futebol me toma por completo, de modo que sou incapaz de raciocinar ou balbuciar qualquer coisa que fuja deste universo.

Penso nos amigos que foram para a Argentina. Nas horas que não cessam, nos minutos que se amontoam. No misto de saudade das companhias e no adorável frio na barriga que todos sentirão a instantes do nosso time entrar em campo.

Para quem foi, trata-se de uma experiência admirável e inesquecível. Intensa ao extremo, mas não menos intensa do que todos os que, daqui a dois dias e algumas horas, pregarão seus olhares diante dos televisões, monitores e tudo o mais que possa oferecer a imagem do time amado. Alguns não poderão ver, mas ouvirão com seus radinhos que são verdadeiros cinemas falados.

Mas quem disse que este amor, esse desejo, esse sentimento que vem da infância e atravessa nossas vidas está limitado às experiências sensoriais de ver e ouvir?

Não, não está: em um hospital, um senhor doente impossibilitado lutará pela própria vida e dividirá um pedaço de sua luta para o bom presságio em favor do time amado. Numa cela, alguém que cometeu um crime e se arrependeu erguerá seu pensamento junto ao time amado. Numa briga de rua, em algum instante antes de desferir um soco ou tiro, alguém pensará no time amado. Durante uma saborosa ocorrência de sexo com uma mulher impecável, um rapaz de sorte pensará que aquilo tudo é tão valioso quando ver e rever o time amado. Pois bem, o time da nossa paixão está em todos os lugares e coisas: seja num hamburger, num ingresso de teatro, numa roupa nova, em tantas outras situações e objetos, lá está impecável, infalível, absoluto. Como escreveu um dos nossos maiores poetas, que também nos acompanha em torcida, trata-se de amor barato; contudo, isso não significa fugaz ou simplório, mas na verdade simples e preciso, duradouro, infinito, daqueles que só bons compositores sabem orquestrar.

Meu amor barato, meus amigos que se espalham pela Argentina, por São Paulo, a Guanabara, o boteco ao lado.

Acabamos de ser campeões, mas aquele sentimento pelo time amado é insaciável. Ele atravessa três Saaras e duas Vias Lácteas com facilidade.

Estamos na segunda-feira. Tudo pode esperar. Eu quero a quarta-feira à noite.

Não é somente pelo meu time - o que já seria muito – mas também há uma questão pessoal: em 2008, quando escalamos passo a passo até o topo da América que nos fugiu, o primeiro adversário que enfrentamos depois que meu pai faleceu foi este mesmo que nos receberá em breve. Daí, volto ao passado. Por um instante, penso que meu pai deveria estar do meu lado, junto de minha mãe e irmão, todos nós esperando com grande emoção a entrada em campo do time amado.

Nenhum deles está mais por aqui, mas tenho a estranha – e confortável – sensação de que todos ficarão junto de mim, numa arquibancada imaginária, quando esta quarta-feira chegar e o nosso time tão amado adentrar o gramado portenho.

Há os que pensam ser o futebol uma sonora bobagem. Erro crasso: ele, tais como outras manifestações artísticas, faz com que a vida seja menos pesada e sofrida, traz beleza e poesia, traz fantasia e amparo. Olhamos para trás e vemos as grandes vitórias, as derrotas tristes, tudo num só livro e lemos nele tudo o que está escrito sobre nossos dias.

É hora de retomar a estatística: probabilidades, séries, custos. Contudo, o respeito se faz presente: mesmo com tudo o que T-Student, Spiegel, Meyer, Pascal e tantos mais fizeram, nenhuma ciência prende minha atenção. Serei correto e justo, correto e profissional, mas nada pode ocupar meu pensamento além da imagem de entrada em campo do meu time tão amado.

Alguma coisa me traz à mente o genial mestre Eduardo Galeano. E Nelson. E Marcos Caetano. Todos os cronistas e escritores. Eles bem sabem o que quer dizer um sentimento pelo time que faz o coração soar feito marcha.


Paulo-Roberto Andel

Thursday, March 01, 2012

A MINICRÔNICA

Enquanto o Flamengo jogava e perdia, cismei de ouvir Lou Reed cantar “Walk on the wild side” várias vezes. Ao mesmo tempo, ver um álbum antigo de fotos, perdido em cima da arca, que minha namorada reclamou por exisitir; Eram moças bonitas nas fotos, cerca de 1990. Os tempos são outros. Éramos jovens, o futuro era uma rodovia pela frente. Lou Reed cantava o lado selvagem da grande cidade desde 1972. Nasci em 1968. Tudo cheira a atemporal.

Os sorrisos eram cativantes. Ana, Lu, Martha. Danielle era linda também, mas com um rosto angular, sério. Viajávamos, almoçávamos, havia flertes, era um coletivo rico e empolgante para se adentrar na vida adulta. Noutra foto, Gerson e Ricardo parecem tristes. Imbuzeiro e Sirufo, não – nunca! Os velhos camaradas da faculdade. As belas mulheres. Tatiana à parte, sempre. Giovanna também, que era linda e bailarina idem Juliana. Só a vi duas vezes, deve ser coisa das bailarinas. Nunca mais me esqueci; agora era 1995.

Lindas garotas de biquíni em indescritíveis mares de arraial. Mesas de bar com os intelectuais. Tiba seqüestrado e com seu cativeiro no balanço de um jardim. O sax solitário do fim da música de Lou Reed. Miscelânea que talvez agradasse a um gigante feito Ítalo Rossi. No fundo, no fundo, bastaria uma foto de Juliana. “I´’m going hard to take a walk on the wild side”, era mais ou menos isso o que eu gostaria de dizer, mesmo que não sejamos Nova York, mesmo que tudo seja apenas ilusão, passado e desesperança. Gosto de ouvir Reed, lembrar de Tatiana, pensar em Juliana, ver toda a grandeza do minúsculo legado que construí com aqueles amigos de outrora – fotos, imagens, pequenos momentos que, conforme ensinados pelo meu querido mestre J.J. Serra Costa, não passam de uma distribuição binomial sem reposição.

É que são tempos modernos. O Flamengo perdeu. O Fluminense também.

Lá fora, o Rio ruge.

Feliz aniversário.


pra101312